O que é comportamento para a Análise do Comportamento?

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Essa resposta é uma adaptação do meu resumo da ABPMC (Borges, R. P., 2009).

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De modo geral, comportamento é um fluxo de alterações quando eventos quaisquer interagem. São exemplos de comportamento: reações químicas mediante interação de substâncias químicas; variações na cotação do dollar em função de alterações nas interações comerciais; conflitos de versões de software e hardware no pc; decida de uma avalanche, etc. O fluxo de alterações é uma relação entre eventos. Na Análise do Comportamento, o fluxo de alterações é o modo como o organismo altera o ambiente e como o ambiente altera o organismo, não necessariamente nessa ordem.

O comportamento é a relação entre eventos ambientais e eventos BIOLÓGICOS ou, de forma mais sintética, é a relação entre organismo e ambiente. Em toda a literatura, chama-se o que um organismo faz (i.e. as classes de respostas) de “evento comportamental”. Eu discordo dessa terminologia porque se o comportamento é a relação entre organismo e ambiente, todos os eventos do organismo e todos os eventos do ambiente são eventos comportamentais. Chamei, então, os “eventos comportamentais” da literatura de eventos biológicos. (Talvez essa também não seja a melhor opção terminológica. Eventos operantes, eventos responsivos, eventos alteradores-do-ambiente-e-por-ele-alterados etc. Ainda é preciso rever).

O comportamento biológico estudado pela AC não pode acontecer sem um organismo ou sem um ambiente. Os eventos biológicos, observados como “respostas”, não expressam relações funcionais em si mesmos, logo, resposta e comportamento não podem ser tratados como sinônimos. Tratar comportamento como classe de respostas recorre em um erro de categoria. Tirar boas notas em provas, ter senso de humor refinado, conhecer várias obras literárias são respostas qualitativamente classificadas como “inteligentes” e dizer que inteligência é uma classe de respostas inteligentes nada acrescenta enquanto definição. Pode-se falar apenas em “classe de respostas inteligentes”, portanto, chamar classe de respostas de comportamento, tornaria este termo irrelevante. Uma classe de respostas é constituída por eventos biológicos que se relacionam funcionalmente com eventos ambientais, os estímulos.

Rubilene.
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Referência

Borges, R. P. (2009). Comportamento: resposta ou relação? Anais do XVIII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental. LINK

Sugestão de leitura:


Lopes, C. E. (2008). Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 10 (1), 1-13.

Quais os determinantes do comportamento? Em relação à Análise Experimental do Comportamento, a ênfase recai sobre qual fator?

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Primeiramente, definamos o que vem a ser “determinante” para a Análise do Comportamento. Determinantes são relações funcionais. Usualmente, a ciência trabalha com a determinação por “causa-e-efeito”, na qual temos que dada a ocorrência de um evento A, este causa a ocorrência do evento B, garantidamente e dentro de uma relação 1:1. Se eu aplico uma força X em um objeto de massa Y, com atrito W, o objeto se move em uma velocidade Z.

Influenciado por Ernest Mach, Skinner propôs que o comportamento deva ser analisado em termos de funções probabilísticas entre eventos ambientais e do organismo. As relações funcionais não implicam em garantia de 100% de ocorrência do evento B mediante o evento A. O evento B, isto é, o comportamento, pode ser função simultaneamente do fator determinante A, C, D, J, K etc. O comportamento é multideterminado (Chiesa, 2006, p. 96-121). E cada comportamento emitido depende diretamente do ambiente histórico e do ambiente imediato do emissor (Skinner, 1953/2005, p. 31).

Todo organismo é biológico, logo, o comportamento de um organismo depende da história evolutiva daquele organismo, que chamamos de filogênese. É por essa determinação que somos suscetíveis ao nosso ambiente (através de receptores exteroceptivos, interoceptivos e proprioceptivos). A filogênese determina uma porção de nosso comportamento, e dá a base para outras determinações. Neste âmbito estão as causas biológicas do comportamento e os reflexos biologicamente importantes, que outrora foram chamados de instintivos.

Todo comportamento ocorre em um contexto, em um local, em um determinado tempo. Todo comportamento opera sobre o mundo e assim o altera, o que por sua vez, também altera comportamentos subseqüentes. (Skinner, 1957, p.1). As alterações podem ser facilmente identificáveis, como quando você diz algumas palavras doces a alguém que você gosta, e assim recebe um tratamento igualmente afável em retorno. Também podem ser alterações triviais e pouco notáveis, como quando você lembra o nome de um velho amigo após fazer uma pergunta em pensamento sobre a data de hoje, que coincidentemente é a data do aniversário do seu amigo. O contexto evoca, de maneira probabilística, uma determinada gama de respostas. Entretanto, quem se comporta é um organismo, e um organismo, além da história da espécie, também carrega uma história de vida. Dependendo da história de vida, uma pessoa que acorda em pânico numa madrugada silenciosa, sem conseguir movimentar seu corpo, pode achar que está sendo abduzida por extraterrestres, como visto nos filmes, ou estar ciente de que está passando por um episódio de paralisia do sono, como diagnosticado pelo seu médico. Tudo depende do que ela conhece, do que ela acredita, instâncias que dependem inteiramente de sua história de vida. A história de vida do organismo, que chamamos de ontogênese, criada em cima das possibilidades da história filogenética, em contato com um contexto, determinam probabilisticamente o comportamento que ali ocorre, naquele instante. A história cria um repertório de comportamentos, o contexto faz com que determinados comportamentos sejam mais prováveis de ocorrer, e as consequências destes comportamentos os selecionam.

Quando se trata de humanos, grande parte da história de vida do organismo é social, ou seja, ocorre em contato com outros membros da espécie, em uma cultura. O contexto social antecede e ultrapassa a vida de uma pessoa. Práticas culturais são criadas e mantidas pelo comportamento sincronizado de um grupo de indivíduos. Grande parte de nossas práticas culturais são mantidas por comportamento verbal. Graças ao conhecimento acumulado por gerações sobre o efeito de determinadas contingências, hoje todo pai ensina seu filho a escovar os dentes. Inicialmente a criança apenas segue a regra, pois seu pai os demais membros da cultura assim o recomendam. Entretanto, a criança pode manter este comportamento posteriormente pelas suas consequências diretas, como o sabor de uma pasta de dente agradável ou a manutenção da saúde bucal. Em meio social, contextos e consequências de comportamentos de organismos individuais se entrelaçam, produzindo resultados que, por um lado não são produto direto da ação de um indivíduo, mas que por outro, quando em conjunto com outras contingências, criam um efeito a longo prazo que afeta o indivíduo novamente. É o caso do entupimento de um canal de esgoto pelo acúmulo de lixo. Uma criança que joga um pedaço de papel no caminho do esgoto não entope a via. Entretanto, se 50 crianças jogarem, a via entope, e a partir disso (em um mundo ideal) começam as campanhas de educação ambiental.

Os determinantes do comportamento atravessam estes três níveis, de forma inclusiva. Todo comportamento tem parte de sua determinação na filogenia, na ontogenia, e, se tratando de animais gregários como os humanos, na cultura (Moore, 1990; Skinner, 1981). Tendo isso em vista, o Analista do Comportamento realiza um recorte epistemológico, focando no nível que mais tem relevância na determinação de um comportamento específico. Tratando de fobias, sabemos que há um forte componente respondente, já que o estímulo eliciador da fobia, como uma aranha para um aracnofóbico, dispara uma sequência de poderosas respostas fisiológicas, como o aumento do ritmo cardíaco e a ativação glândulas hormonais específicas. Em um caso desses, uma intervenção direta na fisiologia seria improvável, e um tanto quanto incômoda, entretanto, é possível alterar a cadeia respondente a partir de uma intervenção na história de aprendizagem do indivíduo, a partir da aplicação de procedimentos de dessenssibilização sistemática com o estímulo fóbico.

Desta forma, a ênfase é condicional ao problema em questão. Em problemas de intervenção, a ênfase é prática. O foco fica nos determinantes possíveis de serem modificados, que em geral estão no ambiente externo e imediato (já que modificar o passado e o cérebro ainda é material de ficção científica). Em se tratando de pesquisa, o tema é obrigatoriamente tratado em sua multideterminação. Um estudo empírico pode tratar de um foco especial, mas ele deve sempre dialogar com as demais possibilidades de causação.

Att,
Hernando Neves Filho e Rubilene Borges.
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Referências

Chiesa. M. (2006). Behaviorismo Radical: a filosofia e a ciência. Brasília: IBAC Editora e Editora Celeiro.

Moore, J. (1990). On the “causes” of behavior. The Psychological Record, 40, 469-480.

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 231, 501-504.

Skinner, B. F. (2005). Science and Human Behavior. B. F. Skinner Foundation. Publicado originalmente em 1953.

Leituras Complementares:

Aló, R. M. (2005). História de Reforçamento. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.). Análise do Comportamento: pesquisa, teoria e aplicação (pp.45-62). Porto Alegre: Artmed.

Andery, M . A. P. A., & Sério. T. M. A. P. (2001). Behaviorismo Radical e os determinantes do Comportamento. Em H. J. Guilhard, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz, M. C. Scoz & C. Amorim (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição, 7 (pp. 137-140). Santo André: ESETec.

Cirino, S. (2001). O que é história comportamental. Em H. J. Guilhard, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz, M. C. Scoz & C. Amorim (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição, 7 (pp.132-136). Santo André: ESETec.


O que o brasileiro acha da ciência?

Espere pelo pior.

Faça você mesmo o levantamento: vá a uma rede social popular entre os tupiniquins e pesquise o termo "cientistas". Fiz isso despretenciosamente no twitter, como um passatempo de uma manhã de um sábado preguiçoso. Esperava encontrar alguma notícia ou comentário proveitoso.

Que surpresa! Só o print screen pode descreve-la. Clique e veja.
Sério, veja. Veja!




Figura 1. Amostra aleatória de resultados da procura pelo termo "cientistas" no twitter. Todos os nomes e imagens foram omitidos, mantendo a identidade dos participantes da amostra anônima.

Preocupante, concorda? O print screen é só uma pequena amostra, nele foram agrupados somente resultados sucessivos. Note a quantidade de comentários ingratos, em diferentes graus de anti-cientificismo. A lista, para além do print screen, é dolorosamente extensa. Ataques, desconfianças, e puro desconhecimento do pensamento científico. Os comentários jocosos ou brincalhões foram escassos. Comentários sérios, ou pelo menos de apreciação e apreço por tentativas de entender o mundo através da ciência foram nulos.

Agora, a melhor parte. Não resisti e fiz um breve levantamento sociográfico da amostra. Encontrei profiles de jovens estudantes, administradores, advogados, e até um detentor de título de mestre. Que tipo de sistema educacional é esse?! Como se educa sem ciência, ou pior, com descrédito à ciência?! A cada clique eu tentava me convencer que o pensar, como comportamento, fosse uma versão restrita do pensamento-sem-imagens da escola de Würzburg. A todo instante os intraverbais evocados foram trágicos, imagens decadentes.

O sistema brasileiro de ensino é totalmente anti-cientificista. Não se ensina a pensar. Não há lugar para o ceticismo salutar. Não há uma alfabetização científica (mal há alfabetização tradicional...). Conteúdos são ensinados em sabatinas. O conhecimento é construído sobre a credulidade no discurso de autoridade do professor. Os alunos não são estimulados à perguntar, cabe a eles apenas decorar. Aprender alguns comportamentos verbais, e os emitir em forma escrita em uma ou duas ocasiões ao ano. A grade curricular é imposta, o aluno não estuda o que quer, e nem é levado a descobrir o que gosta (o termo "grade" é adequadíssimo) . Suas perguntas obtém respostas curtas, incompletas, e que não estimulam nem um pouco a curiosidade (o motor perpétuo da ciência). A resposta está no livro (quando há livros...), ponto final. Esta foi a educação escolar que eu tive. Aposto a vitória do Tiririca nestas eleições, que esta também foi a sua educação escolar.

"Por que a Lua é redonda? perguntam as crianças. Por que a grama é verde? O que é um sonho? Até onde se pode cavar um buraco? Quando é o aniversário do mundo? Por que nós temos dedos nos pés? Muitos professores e pais respondem com irritação ou zombaria, ou mudam rapidamente de assunto. 'Como é que você queria que a Lua fosse quadrada?'. As crianças logo reconhecem que de alguma forma esse tipo de pergunta incomoda os adultos. Novas experiências semelhantes, e mais uma criança perde o interesse pela ciência. Por que os adultos tem de fingir onisciência diante de crianças de seis anos é algo que nunca vou compreender." Sagan, C. (1999). O mundo assombrado pelos demônios: a ciência como uma vela no escuro. Companhia das Letras. p 312.

Entretanto, amostras educadas da população não se importam com a ciência, parte da população nem sequer enxerga a ciência como um empreendimento válido. Me pergunto: de onde veio este ceticismo incauto, repleto de desapreço pelo empreendimento que nos proporcionou o mundo em que vivemos?

"Nós criamos uma civilização global em que os elementos mais cruciais - o transporte, as comunicações e todas as outras indústrias, a agricultura, a medicina, a educação, o entretenimento, a proteção ao meio ambiente e até a importante instituição democrática do voto - dependem profundamente da ciência e da tecnologia. Também criamos uma ordem em que quase ninguém compreende a ciência e a tecnologia. É uma receita para o desastre. Podemos escapar ilesos por algum tempo, porém mais cedo ou mais tarde essa mistura inflamável de ignorância e poder vai explodir na nossa cara." Sagan, C. (1999). O mundo assombrado pelos demônios: a ciência como uma vela no escuro. Companhia das Letras. p 39.


Obs.: Atente que o conteúdo que o autor aqui apresentou não foi avaliado por seus pares. O que caracteriza tudo como um mero exercício de crítica e mau humor.


Sêneca e suas análises do comportamento

"Procura o que escrever, não como escrever" (Lucius Annaeus Seneca 4 a.C - 56 d.C)


A leitura de uma obra de Sêneca (celebrado filósofo romano que flerta com um paradóxo eclético entre estoicismo e epicurismo), numa sexta feira a noite, me fez atentar para algumas análises de contingências muito acertadas feitas em uma de suas epístolas à Lucílio.

Em "Da futilidade das meias-medidas", Sêneca prescreve:

"Certas coisas só se mostram para quem está presente [...] ninguém pode aconselhar à distância: deve-se deliberar no momento da ação."

Belíssimo! Quem "está presente" está em contato direto com as contingências, "à distância" só restam as descrições de contingências. Um conselho deve ser deliberado no "momento da ação", ou seja, levando em conta o contexto em que o comportamento de quem recebe o conselho ocorre. Mas a análise é mais certeira, Sêneca segue:

"Não basta estar presente, mas permanecer vigilante e observar a ocasião propícia."

Assim se programa uma contingência.

Mais adiante, Sêneca observa alguns fatos de forma curiosamente atraente:

"Assim, queixam-se da ambição como de suas amantes, isto é, se olhares o seu verdadeiro sentimento, verás que não as odeiam, apenas brigam com elas."

O ódio relatado é inegavelmente parte do fenômeno. O "ódio" pode ser uma condição corporal relatável, criada por uma comunidade verbal, a partir de uma determinada história ontogenética de observação ao próprio corpo. O sentimento completo, é o próprio comportamento. O verdadeiro sentimento é a "briga", o "ódio" é sua descrição.

Ainda na mesma epístola, Sêneca comenta um dos efeitos indesejáveis do controle por contingências de reforçamento:

"... poucos são presos pela servidão, muitos se deixam prender por ela"

O controle por contingências de reforçamento, diferentemente do controle aversivo, dificilmente gera contracontrole. Por mais politicamente aceitável que sejam, nem todas as contingências de reforçamento positivo são indiscutivelmente benéficas. Vícios, manias e dependências são efeitos de reforçamento positivo. Em tom semelhante, e em outra obra tratando do mesmo tema, Sêneca deixou uma de suas mais famosas frases:

"A religião é vista pelas pessoas comuns como verdadeira, pelo sábio como falsa, e pelos governantes como útil."

Muito mais pode ser dito, e muito mais se segue. Mas vou deixar isso pro domingo.

Olá. Poderiam esclarecer o conceito de operação estabelecedora, informando as referências para que eu pudesse me aprofundar no assunto? Obrigado.

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ResearchBlogging.orgO conceito de Operações Estabelecedoras (OEs) foi introduzido por Keller e Schoenfeld (1950/1973) dentro de análises para variáveis motivacionais. Essas análises tratavam de como o Drive (traduzido como Impulso) alterava a dinâmica do processo de reforçamento, sendo que cada Drive é estabelecido por alguma operação. Por exemplo, o Drive da fome é estabelecido pela operação de privação (p. 286, 287).

Mais tarde o conceito foi refinado por Jack Michael (1982, 1993). Segundo Michael, OEs são eventos, operações ou estímulos que afetam um organismo alterando momentaneamente a efetividade reforçadora de outros eventos e a frequência da parte do repertório do organismo que foi reforçada por esses eventos.


Essas alterações ocasionadas pelas OEs são divididas em quatro efeitos:

Efeito estabelecedor de reforçamento: altera a efetividade do reforço.

Efeito evocativo/supressivo da operação estabelecedora: evoca ou suprime respostas consequenciadas previamente por reforço alterado por uma OE.

Efeito evocativo/supressivo do Sd: aumenta a efetividade evocativa ou supressiva do Sd correlacionado com conseqüência prévia alterada por OE.

Efeito sobre o reforçamento/punição condicionada: dentro de uma cadeia de eventos, é o efeito de aumento/diminuição da efetividade reforçadora/punidora de um reforço/punidor condicionado em correlação a um segundo reforço/punidor, o qual foi alterado por uma OE e reforça/pune a classe de respostas evocadas pelo primeiro reforço/punidor.


As OEs são divididas em incondicionadas (OEIs) e OEs condicionadas (OECs). As OEIs são fruto da história filogenética do organismo e as OECs são aprendidas durante a história ontogenética.


As OECs foram divididas em:

OECs Substitutas (OEC-S): uma OEC que adquire mesma função que outra OEC (ou uma OEI) através de um emparelhamento semelhante ao condicionamento respondente.

OECs Reflexivas (OEC-R): um tipo do OE que corresponde ao chamado “estímulo pré-aversivo”. Nos casos de esquiva e fuga, o estímulo antecedente não seria um Sd, como indica a literatura, pois sem sua presença, a resposta não tem como ocorrer. Não condição S-delta possível na situação. Logo, ao invés do pré-aversivo ter função discriminativa, ele tem função evocativa e é, portanto, uma OEC, do tipo reflexiva.

OECs Transitivas (OEC-T): um estímulo discriminativo (S1) que controla uma resposta (R1) que só pode ser emitida na disponibilidade de um segundo estímulo discriminativo (S2). No caso, S1 estabelece função reforçadora condicionada a S2 para a resposta (R2), que produz S2.


Esse é um dos temas mais complexos do arcabouço teórico da Análise do Comportamento e, apesar de já ter 20 anos de formulação, carece ainda de muita pesquisa. Cito a seguir, as referências que achei mais relevantes para introduzir o conceito. Você pode, então, buscar as referências citadas nas que indiquei e escolher como conduzir seu estudo. Espero ter ajudado.

Obrigada por perguntar.
Rubilene.

Referências:

Keller, F. S. & Schoenfeld, W. N. (1973). Princípios de Psicologia. São Paulo: E.P.U. (Trabalho original publicado em 1950).

Michael, J. (1982). Distinguishing between discriminative and motivational functions of stimuli. Journal of the experimental analysis of behavior, 37 (1), 149-155. Link

Michael, J. (1993). Establishing Operations. The Behavior Analyst, 16 (2), 191-206. Link

Textos Introdutórios (ricos em exemplos didáticos):

da Cunha, R. N. & Isidro-Marinho, G. (2005). Operações Estabelecedoras: um conceito de motivação. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.) Análise do Comportamento: pesquisa, teoria e aplicação. (p.27-44). Porto Alegre: Artmed.

Miguel, C. F. (2000). O Conceito de Operação Estabelecedora na Análise do Comportamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16, 259-267. Link

Estudos empíricos:

Pereira, M. B. R. (2008). Operação Estabelecedora Condicionada Substituta: uma demonstração experimental. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Link

Ravagnani, L. V. (2004). Uma demonstração experimental das operações estabelecedoras condicionadas transitivas com ratos: uma replicação de da Cunha (1993). Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

de Sena, C. N. (2005). Operações estabelecedoras condicionadas reflexivas: um estudo empírico com humanos. Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília.

Dawkins e punição


Há alguns anos ando encantado com as obras de Richard Dawkins, eminente biólogo e divulgador científico equiparável a Carl Sagan.

Meu último contato com sua obra foi a partir do belíssimo livro The Greatest Show on Earth: The Evidence for Evolution, de 2009. Dawkins consegue, como de costume, ser acessível e intrigante em cada linha.

Encontrei neste livro uma breve referência ao modelo de seleção por consequências (Skinner, 1981). Esta é a terceira vez, que dentro de minha ainda bastante incompleta leitura de Dawkins, encontro uma referência a algo da Análise do Comportamento (a primeira foi uma breve menção à uma Caixa de Skinner, em uma nota na página 463 da segunda edição brasileira de O Gene Egoísta, a segunda em um trecho do documentário Enemies of Reason, que pode ser visto ao final do post, onde Dawkins apresenta o clássico estudo de superstição em pombos de Skinner).

A referência surge quando Dawkins começa a traçar uma de suas características e cativantes metáforas. Neste caso, Dawkins está falando de "quatro memórias", sendo a primeira o DNA, a segunda o sistema imunológico, a terceira o sistema nervoso e a quarta a cultura. A breve referência de interesse surge ao discutir a "terceira memória"

O trecho se encontra no capítulo 13, na página 407 da edição hard cover em inglês. Vamos a ele.

"... a terceira memória funciona por um processo de tentativa-e-erro que pode ser visto como análogo à seleção natural. Enquanto procura por comida, um animal pode 'tentar' várias ações. Apesar de não ser estritamente aleatório, este estágio de tentativas é uma analogia razoável à mutações genéticas. A analogia com a seleção natural é o 'reforçamento'..." (tradução livre, grifos meus)

Sensacional! A idéia é essa. O reforçamento é um processo de seleção que atua em nível ontogenético, ou seja, durante a história de vida de um organismo. O comportamento é selecionado pelas suas consequências, sendo o reforço uma delas. Devo admitir que não gostei das áspas no 'reforçamento', entretanto, isso é o menor dos problemas. Dawkins continua o trecho em um desfecho repleto de infelicidade para o leitor que tem apreço pelo tema.

"A analogia com a seleção natural é o 'reforçamento', o sistema de recompensas (reforçamento positivo) e punições (reforçamento negativo)." (idem)
Que diabos de parêntese foi esse segundo? Como os iniciados já sabem, punições não são casos de reforçamento negativo. Punição é um processo simétrico ao reforçamento (quando a consequência de uma resposta diminui sua frequência). Reforçamento negativo é um processo de fortalecimento (aumento da frequência) de uma resposta quando sua consequência é a eliminação de um estímulo funcionalmente aversivo (fuga ou esquiva). Os dois processos são diametralmente opostos (um diminui a frequência do responder, é punitivo, e outro aumenta a frequência, é reforçador). Ambos são processos de seleção (análogo a seleção natural) do responder em nível ontogenético.

"A punição é facilmente confundida com o reforçamento negativo. Em ambos os casos estão envolvidos um mesmo tipo de estímulo (um estímulo aversivo) [...] a punição remove o comportamento de um repertório, ao passo que o reforçamento positivo gera comportamento." Skinner, B. F. (1974). About behaviorism, pg. 68; ou, pg. 56 na péssima edição em português. Parêntese meu.

Admito que foi razoavelmente engraçado ver essa, que é uma confusão bastante comum em alunos de curso de introdução à Análise do Comportamento, ser replicada em uma obra cientificamente tão respeitável quanto esta. Admito também que Skinner, no início de sua obra, deu motivos para a confusão se instalar (entretanto, em que lugar do mundo o Behavior of Organisms, de 1938, é uma leitura obrigatória de graduação, ou mesmo pós-graduação?). Admito também ficar levemente irritado com a forma banal com que o tema foi tratado. A analogia do reforço, como um nível de seleção ontogenético, foi posta como óbvia (não é!)

ResearchBlogging.org
Possivelmente a terminologia técnica correta não tenha tanta importância para a idéia do capítulo. De qualquer forma, ela é equivocada e dissemina um mal entendido. O que fazer? Reclamar em um blog? Não, um blog é só um passatempo (e há quem diga que se trata de um passatempo de muito mal gosto).


A notícia pode ser velha, mas estou redigindo um email para a Richard Dawkins Foundation e para a comissão de disseminação de conteúdo sobre Análise do Comportamento da ABAI (Association for Behavior Analysis International) relatando meu desconforto, supondo que ele seja generalizado pela área. Espero chover no molhado.

De qualquer forma, com ou sem ressalvas, continuo um grande admirador da obra de Dawkins.

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Bibliografia

Dawkins, R. (2009). The greatest show on earth: the evidence for evolution. Free Press.

Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. Free Press.

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences Science, 213, 501-504 [PDF em português]


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Extra:




Vídeo 1. Trecho legendado do documentário Enemies of Reason, de Dawkins, onde é apresentado o clássico estudo de Skinner sobre superstição em pombos (a apresentação do estudo começa a partir de 5:20)

Questões profissionais, ou não.



Estamos em épocas de eleição. Se você vai votar ou não no Tiririca, pouco importa. Pior do que está, não vai ficar. Seja essa uma verdade ou uma piada.

Além deste contexto mais, literalmente falando, global; outra eleição menos importante para o globo ocorre: a eleição do Conselho Federal de Psicologia.

Nunca tive, e possivelmente nunca terei, uma carteira de psicólogo profissional (apesar de ser formado em psicologia, e ser um apaixonado pela área). Entretanto, devo comentar.

Na ditadura militar, psicólogos eram conhecidos como "psi-tiras". A ditadura acabou, mas a psicologia continua levantando bandeiras. Não acredita? Lembre-se do caso da psicóloga brasileira que oferecia tratamento para homosexualismo, uma profissional que continua atuando como psicóloga com carteira assinada pelo conselho.

Você, como psicólogo, se sente confortável com uma terapia para curar homosexuais? E com relação à práticas "pouco ortodoxas", como florais de bach? Que tipo de medidas você tem a favor ou contra o assunto? Que medidas lhe foram informadas pelo seu conselho profissional? Que garantias este conselho lhe dá de que uma prática terapêutica pode ou não pode ser psicológica? Entendo que existam extremos, mas que controle sobre esses extremos você, como psicólogo, que paga sua anuidade, tem através do seu conselho?

Talvez essas perguntas estejam fora de contexto. É possível, não sou um psicólogo de carteira assinada. Entretanto, vejo todo dia pessoas voltando de consultas com seus psicólogos com seus florais de bach em mãos. Acredito ser a hora adequada para questionar estes pontos, por mais fora de contexto que estejam. Afinal, é dia do psicólogo.

Parabéns aos interessados.

A Análise do Comportamento propõe alguma estratégia de treinamento para transformar a prática da leitura em um hábito prazeroso?

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Não encontrei estudos específicos em Análise do Comportamento sobre o assunto.

ResearchBlogging.orgA leitura pode ser um hábito prazeroso a depender das contingências. Em situação de ensino programado, o chamado “método Keller” (Keller, 1966) visa uma estratégia de ensino, por assim dizer, mais prazerosa, baseada em reduzir a níveis mínimos as contingências aversivas. Esse método é realizado através de um Sistema Personalizado de Instrução (SPI). O SPI consiste em ensinar os alunos por meio de tutorias, de maneira que o aluno seja atendido individualmente por um professor ou monitor. Além disso, o ritmo do ensino é ditado pelo ritmo do próprio aluno, não havendo, portanto, uma cobrança para que ele atinja o critério de velocidade de aprendizagem de um aluno ideal.



Fora do ambiente de ensino, um leitor pode diminuir a aversividade da leitura sortindo o conteúdo dos textos; intercalando leituras mais difíceis e longas, como as acadêmicas, com leituras mais acessíveis e breves, como revistas, contos, quadrinhos etc. Também é possível arranjar contingências de reforçamento positivo colocando a leitura obrigatória antes de eventos reforçadores (e.g. ver filmes, sair com amigos).

Acima de tudo, ler é um comportamento que demanda um custo de resposta, que deve ser reduzido gradativamente em comparação às contingências reforçadoras. Para isso, o ambiente deve ser o mais ergonomicamente favorável, bem como não se deve exceder o tempo de leitura, que pode ocasionar fadiga do comportamento e comprometer o responder discriminado às relações verbais do texto, o que podemos chamar de compreensão.

Rubilene.
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Atenção: as respostas aqui fornecidas têm caráter informativo e não devem ser encaradas como terapias ou sugestões de qualquer tipo de intervenção. Para esse tipo de serviço, deve-se procurar diretamente um profissional autorizado e qualificado que possa analisar as contingências com dados suficientes e traçar um procedimento específico.
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Referências

Keller, F. S. (1966). Engineering personalized instruction in the classroom. Revista Interamericana de Psicologia.

Ver também:

Skinner, B. F. (1958). Teaching Machines. Science, 128, 969-977. PDF

A família e o comportamento

Pergunta: "O comportamento é até sinônimo de cultura, determinismo, arbítrio e influência. Qual o papel da família nisso tudo?"

Via formspring.me/Comportamento
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Antes de falar da família, falarei de comportamento, cultura, determinismo, arbítrio e influência.

- Determinismo é a “teoria filosófica de que todo acontecimento (...) é explicado (...) por relações de causalidade”.
- Arbítrio é uma “determinação dependente apenas da vontade”.
- Comportamento é uma relação entre organismo e ambiente (Borges, 2009). Não é determinado pela vontade nem por relações de causalidade, mas sim por relações funcionais, isto é, interações probabilísticas com várias “causas” possíveis e nenhuma agindo de modo mecanicista (http://bit.ly/ackqPQ). O comportamento operante é função de níveis de seleção: filogenético, ontogenético e cultural (http://bit.ly/apdkoQ).
- Cultura é um conjunto de eventos ambientais sociais que contribui em um nível de seleção do comportamento (Skinner, 1981).
- Influência é a “ação de uma pessoa ou uma coisa sobre outra”. Logo, o responder de um organismo é influenciado pela ação das pessoas que fazem parte de seu ambiente cultural, de maneira multideterminada e probabilística.

ResearchBlogging.orgA família é um grupo de pessoas que participa do ambiente sócio-cultural de um indivíduo. Também fazem parte desse ambiente a escola, o trabalho, a religião, o governo, entre outras. Todas essas agências controladoras (Skinner, 1953) modificam o comportamento do indivíduo e do grupo. Mas como ela controla? Por contingências de reforçamento (ou por coerção). Falemos das contingências de reforçamento.

Reforçamento é o aumento da freqüência de respostas de um organismo em função de um reforçador. E reforçador é a função contingente de um evento ambiental, posterior a uma resposta, e que aumenta a probabilidade de ocorrência dela na presença de um outro evento ambiental antecedente.

A família é provedora de potenciais reforçadores às pessoas desde o nascimento até um período indeterminado da idade adulta. Os reforçadores podem ser sociais, como conversas amistosas, ou físicos, como dinheiro. Assim sendo, a família exerce sua influência sobre o indivíduo através de relações operantes.

Em Análise do Comportamento, há um conceito importante no estudo das relações comportamentais entre grupos culturais: metacontingências. Contingência é uma relação funcional entre eventos. No caso do comportamento, estamos falando de organismo e ambiente. A metacontingência é algo que está além de uma contingência simples que envolva o foco de análise nas respostas de um indivíduo, nas alterações que essas respostas ocasionam no ambiente e como o ambiente retroage sobre o indivíduo.

Metacontingência é o conjunto de contingências entrelaçadas, que gera um produto agregado a partir de operantes de vários indivíduos e um sistema receptor que seleciona essas relações (Glenn & Malott, 2004). Este produto agregado não é cumulativo, como no caso de uma macrocontingência. O produto agregado difere do acumulado na medida em que não é formado pela somatória do produto das respostas de cada indivíduo do grupo, mas sim pelas interações entre esses indivíduos.

Por exemplo, o sucesso de um time em jogo de futebol depende da ação de todos os jogadores. A vitória em tempo normal de jogo é um produto agregado, pois foi formado a partir das contingências entrelaçadas do comportamento de cada jogador. Caso a disputa fosse definida em pênaltis, a vitória seria um produto acumulado, pois seria fruto do somatório da ação de cada jogador separadamente. Ambos os tipos de produto fazem seleção do repertório comportamental de cada indivíduo.

Na família, há macrocontingências como quando você quer pintar seu quarto e daria muito trabalho fazê-lo sozinho. Se você, seus pais e seus irmãos pintarem juntos, a resposta de pintar será reforçada efetivamente pela conseqüência “paredes pintadas” e gerará um produto acumulado “quarto pintado rapidamente e com pouco esforço”. Também há metacontingências: em uma família com histórico de relações sociais reforçadoras, cada membro da família exerce controle sobre o comportamento do outro (contingências entrelaçadas), que promovem o bom convívio da família, a participação de todos nas atividades rotineiras como refeições, limpeza e entretenimento (produto agregado), sendo que esse modelo de interação social familiar é selecionado pela igreja, pelo governo, pelos programas de TV etc (sistema receptor).

Quanto ao nível de influência da família em detrimento da influência de outros grupos culturais, a Psicologia Social fala sobre dois tipos de inserção cultural: a Socialização Primária e a Socialização Secundária (Gomes, 1994). Socialização primária corresponde às primeiras influências na vida de um indivíduo, influências essas que compõe a “personalidade” (entendida aqui como algo em constante mudança em função das variáveis ambientais) desse indivíduo, isto é, que modela o repertório social básico, tornando o indivíduo apto a viver em sociedade. As influências ocorridas após esse período, ou as novas inserções sociais do indivíduo em novos grupos sociais é a Socialização Secundária. Em geral, a família faz parte do processo de Socialização Primária e é o grupo social que mais frequentemente perdura ao longo da vida do indivíduo.


Outros grupos como amigos de vizinhança, ou colegas e professores do colégio, que podem também fazer parte da Socialização Primária, na maioria das vezes se dissipa com o passar do tempo. A Psicologia Social diz que a Socialização Primária é mais efetiva e mais influente sobre a vida das pessoas, ou seja, há muitas coisas estabelecidas por essa Socialização que são difíceis de serem mudadas pela Socialização Secundária. Não entrarei nas discussões apresentadas pela Psicologia Social por não achá-las pertinentes à análise comportamental e por falta de repertório pessoal mais amplo sobre o assunto.

Pela Análise do Comportamento, por que a Socialização Primária seria mais efetiva que a Secundária? Porque essas influências iniciais são mais freqüentes por um período mais extenso que as demais. E família, quando é um grupo responsável pela Socialização Primária e mantém-se freqüente na vida do indivíduo por período indeterminado, as contingências de reforçamento (especialmente as entrelaçadas) estão bastante estabelecidas e garantem a manutenção de um mesmo tipo de repertório.

Logo, a família é personagem importante na formação do repertório comportamental. O seu grau de controle sobre esse repertório varia em função história das relações sociais mantidas entre os membros dessa família. Um indivíduo que sempre teve pouca interação com a família, ou manteve relações aversivas, provavelmente será menos influenciado pelas contingências (ou metacontingências) familiares enquanto estiver distante dela. Todavia, cada caso é um caso. Não há receita geral do grau de influência da família na vida de alguém, pois seu repertório é função de todas as muitas interações sociais e, na vida contemporânea, via internet, essas relações podem ser estendidas ao mundo inteiro, classificando a família como mais uma das possíveis agências controladoras do repertório social dos indivíduos.


Rubilene

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Referências


Borges, R. P. (2009). Comportamento: resposta ou relação? Anais do XVIII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental.
Glenn, S. S., & Malott, M. E. (2004). Complexity and Selection: implications for organizational change. Behavior and Social Issues, 13, 89-106.

Gomes, J. V. (1994). Socialização Primária: tarefa familiar? Cadernos de Pesquisa, 91, 54-61.

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.

Skinner, B. F. (1953).Science and Human Behavior. New York: Macmillan.

Sugestão de leitura sobre Metacontingências em família:

Naves, A. R. C. X. (2008). Contingências e metacontingências familiares: um estudo exploratório. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciência do Comportamento. Universidade Federal de Brasília. PDF

Como criar uma psicopatologia, parte I


Não sou um especialista em psicopatologia. Pouco estudei e pouco conheço. Todavia, como bom behaviorista radical, olho com certa suspeita o campo todo. Patologia não cai bem em um modelo selecionista.

Todo aluno de psicologia passa por uma disciplina com esse tópico, onde invariavelmente, para o deleite da turma, todo mundo encontra um pouquinho de si nas descrições das patologias da mente humana. É a conquista do mundo doente que os psicanálistas edificaram em seus escritórios. Todos temos, em algum nível pouco claro, uma patologia mental. E a tendência é que fiquemos mais doentes. Vem ai o DSM5! [http://www.dsm5.org/]

Para os não iniciados, o DSM é um manual psiquiátrico com todas as descrições possíveis de centenas de patologias mentais. Tudo que você fizer em excesso ou em falta, indicará algumas dezenas de problemas, todos na sua cabeça, claro. Se você joga videogame demais, você é um doente, dirá o manual. Não interessam os motivos, ele repete: você é doente. Reducionismo molecularista dos melhores.

Em uma materia do PsychiatricTimes, intitulada Normality Is an Endangered Species: Psychiatric Fads and Overdiagnosis (Frances, 2010), o autor afirma que a normalidade é uma espécie em extinção, devido um processo de overdiagnosis, que seria uma mania de psiquiatra de classificar qualquer comportamento como patológico, seja com base em sua frequência, função ou topografia. O trecho é revelador.

The NIMH estimates that, in any given year, 25 percent of the population (that’s almost 60 million people) has a diagnosable mental disorder. A prospective study found that, by age thirty-two, 50 percent of the general population had qualified for an anxiety disorder, 40 percent for depression, and 30 percent for alcohol abuse or dependence. Imagine what the rates will be like by the time these people hit fifty, or sixty-five, or eighty. In this brave new world of psychiatric overdiagnosis, will anyone get through life without a mental disorder?
Os crentes do DSM afirmam que praticamente toda população humana é doente mental em alguma medida, o que fazer? Medicamentos. Para o deleite de uma das mais poderosas indústrias do mundo moderno. Até ai tudo bem para os pouco céticos. Os resultados dos tratamento psiquiátrico a base de medicamentos todos já sabem: risíveis. Não é por nada que dizem que a psiquiatria está em crise em meio a movimentos anti-psiquiátricos dos mais variados tipos.


Vídeo 1. Sensacionalista, porém fiel aos fatos. Psiquiatras admitem a inexistência de testes científicos que comprovam doenças mentais e que não tem curas para estas "doenças".

ResearchBlogging.orgAgora os mais inquietos podem se perguntar: de onde vêm essas doenças? Genética de erros, que sobreviveu às imposições da seleção natural? Possível. Cérebro defeituoso? Igualmente possível. Essas são as principais apostas da comunidade médica, entretanto, até então as evidencias que suportem estas hipóteses são, segundo alguns, bem fracas. Qual seria outra possível fonte dessas doenças? Comportamento verbal? Bingo!

Em um Wittgensteinianismo Radical, poderíamos dizer que o estudo do uso da linguagem cotidiana não só acaba de vez com os problemas filosóficos, como também acaba com os problemas supostamente dentro da sua cabeça.

Uma matéria que facilita este insight se chama The Americanization of Mental Illness, publicada no New York Times. Nela, o autor apresenta as idéias do psiquiatra chines Sing Lee, que descreve muito acertadamente que patologias mentais não são entidades discretas com uma história biológica e evolutiva própria, como o vírus da pólio, por exemplo. Através de dados antropológicos é possível afirmar que as psicopatologias, essas muito bem documentadas no DSM, nunca foram estáticas e de ocorrência global, mas sim, são tipicamente eventos sociais (cf. Pessoti, 2006). Claro que nesses casos não se incluem síndromes de determinação claramente biológica, como o autismo. De qualquer forma, seria simplesmente impossível existir uma síndrome de abuso de vídeo game no séc XIX. De forma menos drástica, seria muito improvável encontrar um caso dessa mesma psicopatologia em uma comunidade palpérrima da África sub-saariana, entretanto, com o devido serviço de divulgação, é possível encontrar um caso por lá.


"For more than a generation now, we in the West have aggressively spread our modern knowledge of mental illness around the world. We have done this in the name of science, believing that our approaches reveal the biological basis of psychic suffering and dispel prescientific myths and harmful stigma. There is now good evidence to suggest that in the process of teaching the rest of the world to think like us, we’ve been exporting our Western “symptom repertoire” as well. That is, we’ve been changing not only the treatments but also the expression of mental illness in other cultures. Indeed, a handful of mental-health disorders — depression, post-traumatic stress disorder and anorexia among them — now appear to be spreading across cultures with the speed of contagious diseases. These symptom clusters are becoming the lingua franca of human suffering, replacing indigenous forms of mental illness.
Hora de citar um clássico:

Toda era tem sua loucura peculiar. Algum plano, projeto ou fantasia em que mergulha, estimulada pelo amor do ganho, pela necessidade de emoção ou pela simples força da imitação. Se tudo isso falhar, ela ainda sim possui uma loucura a que é incitada por causas politicas ou religiosas, ou por ambas combinadas.
Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds, Charles Mackay

Difícil discordar, mas há o que se acrescentar. Hoje em dia, no ethos globalizado, as mais fortes loucuras ( as mais lucrativas lucrativas) predam as mais fracas, e a resistência é pequena. Há não muito tempo atrás, era comum se ver cirurgias amadoras, realizadas em praça pública, de retiradas de 'pedras' da cabeça de doentes. Pedras que somente os cirurgiões enxergavam, e que eram eliminadas da vista de todos assim que retiradas da cabeça do enfermo. Isso parece que morreu (não antes de matar bastante), entretanto, loucuras da mesma época ainda persistem, por serem fortes (lucrativas). Em um mundo onde grande parte da população procura sua personalidade e a predição do futuro no posicionamento de astros de um sistema cosmológico arbitrário e fictício (uma loucura das lucrativas, digo, fortes), nada mais plausível do que a aceitação crédula e passiva das palavras de uma autoridade médica, mesmo que, segundo seus próprios preceitos, essa autoridade certamente seja também uma doente mental.

De qualquer forma, a pergunta persiste: de onde vêm essas doenças? É hora de falar de comportamento verbal. Em outro post.

Obs.: Atente que o conteúdo que o autor aqui apresentou não foi avaliado por seus pares. O que caracteriza tudo como um mero exercício de crítica e mau humor. Note também que não há um desmerecimento desregrado com a psiquiatria. Há sim o velho e ranzinza ceticismo em sua boa forma.
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Bibliografia

Pessotti, I. (2006). Sobre a teoria da loucura do séc. XX Temas em Psicologia, 14 (2) [PDF]

Frances, A. (2010). Normality Is an Endangered Species: Psychiatric Fads and Overdiagnosis. The Psychiatric Times. [ Acesso, requer inscrição ] - [ Uma curiosidade, ao se inscrever no sítio do Psychiatric Times, há um campo para preencher com sua 'profissão'. Vejam as opções na imagem abaixo. Clique para ampliar.]


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Update


A plasticidade cerebral de Karl Lashley


Karl Lashley foi aluno de John Watson e, consequentemente, um dos primeiros expoentes da primeira geração de behavioristas americanos. Chegou a escrever um artigo sobre a interpretação da consciência segundo o behaviorismo watsoniano (Lashley, 1923a, 1923b), aderindo à pratica comum em psicologia de traduzir velhas idéias em novos jargões. Entretanto a maior contribuição de Lashley para a ciência se deu a partir de experimentos no que hoje chamaríamos de neurociência. Lashley aprendeu com Watson, que aprendeu com Loeb (Boakes, 1984), o poder da explicação cerebral sobre o comportamento, e partindo disso, dedicou grande parte de sua carreira estudando o cérebro de ratos, em experimentos minuciosamente planejados que estudavam o efeito de ablações (um procedimento cirúrgico de retirada de grandes porções do cérebro) sobre a aprendizagem, em especial a aprendizagem de labirintos (método padrão da época, muito antes das caixas de condicionamento operante). Uma das afirmações mais veementes de Lashley versava sobre a plasticidade cerebral, muitas décadas antes dela explodir como uma vedete queridinha da neurociência moderna.

Recentemente dei de encontro com um post chamado "Neural plasticity isn’t new" em um blog afiliado a ResearchBloggin. O autor aponta que muitos trabalhos em neurociência (em geral blogs) vem apontando erroneamente que a plasticidade neural foi uma das grandes descobertas das últimas décadas. A partir disso, o autor do post mostra que a idéia já circulava robustamente há muito mais tempo pela literatura científica. Apartir de uma breve recoleção de citações muito bem escolhidas, o post chega até os trabalhos famosos do psicólogo canadense Donald O. Hebb, da década de 1940, como precursores da plasticidade cerebral. Entretanto, nada foi falado sobre o behaviorista Karl Lashley. Uma pena, pois Donald O. Hebb, foi aluno de Lashley (Boakes, 1984).


Vídeo 1. Pequeno documentário sobre a carreira de Donald O. Hebb.

Antes de Donald Hebb lançar sua afamada obra, os resultados de Lashley, seu professor, nos estudos de ablação apontaram que a a retirada de tecido cerebral (em especial de áreas do cortex cerebral) deteriora em diferentes medidas o desempenho de um sujeito, tanto em tarefas que ele já aprendeu, quanto na aprendizagem, de novas tarefas. Entretanto, o desempenho não se deve ao local da lesão, e sim à quantidade de tecido destruído (Gardner, 1985). Os dados eram claros: quanto maior a lesão, pior o desempenho, independente da localização da lesão.


"Todas as células do cérebro estão constamente ativas e participando, por uma espécie de soma algébrica, de toda atividade. Não existem células especiais reservadas para memórias especiais" (Lashley, 1950, p. xi).
Lashley estava lançando um desafio à duas fortes tendências dos estudiosos do cérebro: o localizacionismo e o reducionismo. Para Lashley, era o cérebro como um todo o responsável pelo ordenamento do comportamento, e seu professor, Watson, já dizia que era o organismo como um todo que se comportava (Watson, 1972, p 28). Sim, não foi Skinner quem inventou isso. Lashley foi bastante incisivo em dizer que não haviam áreas específicas para comportamentos específicos, a revelia de achados duvidosos e sistematicamente questionados de Broca e Wernicke (cf. Marie, 1906), que afirmaram ter encontrado circunvoluções cerebrais fortemente ligadas à fala (Gardner, 1985). Entretanto, apesar do início atrapalhado nas afirmações de Broca e Wernicke, hoje o localizacionismo (não tão restrito como em suas primeiras formulações) é real e aceito indiscutivelmente na comunidade científica. Neste tópico, ocorreu algo comum quando duas propostas antagônicas são fortemente discutida a luz de dados conflitantes: a reconciliação da antiga dicotomia em um continuum. A ordenação do comportamento é resultado do funcionamento do cérebro como um todo, entretanto, existem claras áreas cerebrais que possuem preponderância na ocorrência de determinadas funções comportamentais (Gardner, 1985). Donald O. Hebb, o aluno de Lashley, foi um dos primeiros a ordenar o continuum entre o localizacionismo e o holismo cerebral, em sua obra clássica, The Organization of Behavior, de 1949 (Gardner, 1985). O holismo cerebral irrestrito de Lashley, que o aproximou da fantástica psicologia da Gestalt, hoje é mera curiosidade histórica, produto da pouco refinada técnica disponível na época, a ablação. Entretanto, o mesmo não pode ser dito sobre sua crítica ao reducionismo. Até hoje, por mais que jornalistas incautos anunciem, ninguém afirma que o cérebro explica instâncias específicas de comportamento, pois isso é reducionismo.

Os dados que sustentaram a posição holista ortodoxa de Lashley foram os resultados que apontaram uma capacidade de partes intactas do cérebro assumirem o controle de uma propriedade cerebral quando partes fortemente relacionadas a esta propriedade fossem destruídas (Gardner, 1985). Lashley chamou este fenômeno de plasticidade cerebral, em "Brain Mechanisms and Intelligence", em 1929.

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Karl Lashley foi o motor da virada do pêndulo entre o localizacionismo extremo e o holismo igualmente extremo. Foi a partir de uma grande quantidade de dados e de criticas audaciosas (bem aos moldes de seu professor, Watson) que Lashley provocou a neurociência a rever sua epistemologia remanescente da frenologia, lançando à comunidade científica um robusto conjunto de evidências empíricas que davam indícios da versatilidade impressionante do cérebro animal.

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Bibliografia

Boakes, R. (1984). From Darwin to behaviorism: psychology and the mind of animals. Cambridge University Press. [Google Books]

Gardner, H. (1985). A nova ciência da mente. 3ª edição. Edusp. São Paulo.

Hebb, D. O. (1949). The organization of behavior. New York, John Wiley.

Lashley, K. (1923). The behavioristic interpretation of consciousness. I. Psychological Review, 30 (4), 237-272 DOI: 10.1037/h0073839

Lashley, K. (1923). The behavioristic interpretation of consciousness ii. Psychological Review, 30 (5), 329-353 DOI: 10.1037/h0067016

Lashley, K. S. (1929). Brain mechanisms and inteligence. Chicago, University of Chicago Press.

Lashley, K. S. (1950). In search of the engram. Symposia of the Society for Experimental Biology. 4: 454-482.

Marie, P. (1906). Révision de la question de l'aphasie. Semaine Médicale, 21, 241-247.

Watson, J. B. (1972). El conductismo. 4ª edición. Editorial Paidos, Buenos Aires. [Compre na Estantevirtual] ou [Baixe a Versão original, em inglês, disponível na íntegra]