Não sou um especialista em psicopatologia. Pouco estudei e pouco conheço. Todavia, como bom behaviorista radical, olho com certa suspeita o campo todo. Patologia não cai bem em um modelo selecionista.
Todo aluno de psicologia passa por uma disciplina com esse tópico, onde invariavelmente, para o deleite da turma, todo mundo encontra um pouquinho de si nas descrições das patologias da mente humana. É a conquista do mundo doente que os psicanálistas edificaram em seus escritórios. Todos temos, em algum nível pouco claro, uma patologia mental. E a tendência é que fiquemos mais doentes. Vem ai o DSM5! [http://www.dsm5.org/]
Para os não iniciados, o DSM é um manual psiquiátrico com todas as descrições possíveis de centenas de patologias mentais. Tudo que você fizer em excesso ou em falta, indicará algumas dezenas de problemas, todos na sua cabeça, claro. Se você joga videogame demais, você é um doente, dirá o manual. Não interessam os motivos, ele repete: você é doente. Reducionismo molecularista dos melhores.
Em uma materia do PsychiatricTimes, intitulada Normality Is an Endangered Species: Psychiatric Fads and Overdiagnosis (Frances, 2010), o autor afirma que a normalidade é uma espécie em extinção, devido um processo de overdiagnosis, que seria uma mania de psiquiatra de classificar qualquer comportamento como patológico, seja com base em sua frequência, função ou topografia. O trecho é revelador.
“The NIMH estimates that, in any given year, 25 percent of the population (that’s almost 60 million people) has a diagnosable mental disorder. A prospective study found that, by age thirty-two, 50 percent of the general population had qualified for an anxiety disorder, 40 percent for depression, and 30 percent for alcohol abuse or dependence. Imagine what the rates will be like by the time these people hit fifty, or sixty-five, or eighty. In this brave new world of psychiatric overdiagnosis, will anyone get through life without a mental disorder?”Os crentes do DSM afirmam que praticamente toda população humana é doente mental em alguma medida, o que fazer? Medicamentos. Para o deleite de uma das mais poderosas indústrias do mundo moderno. Até ai tudo bem para os pouco céticos. Os resultados dos tratamento psiquiátrico a base de medicamentos todos já sabem: risíveis. Não é por nada que dizem que a psiquiatria está em crise em meio a movimentos anti-psiquiátricos dos mais variados tipos.
Vídeo 1. Sensacionalista, porém fiel aos fatos. Psiquiatras admitem a inexistência de testes científicos que comprovam doenças mentais e que não tem curas para estas "doenças".
Agora os mais inquietos podem se perguntar: de onde vêm essas doenças? Genética de erros, que sobreviveu às imposições da seleção natural? Possível. Cérebro defeituoso? Igualmente possível. Essas são as principais apostas da comunidade médica, entretanto, até então as evidencias que suportem estas hipóteses são, segundo alguns, bem fracas. Qual seria outra possível fonte dessas doenças? Comportamento verbal? Bingo!
Em um Wittgensteinianismo Radical, poderíamos dizer que o estudo do uso da linguagem cotidiana não só acaba de vez com os problemas filosóficos, como também acaba com os problemas supostamente dentro da sua cabeça.
Uma matéria que facilita este insight se chama The Americanization of Mental Illness, publicada no New York Times. Nela, o autor apresenta as idéias do psiquiatra chines Sing Lee, que descreve muito acertadamente que patologias mentais não são entidades discretas com uma história biológica e evolutiva própria, como o vírus da pólio, por exemplo. Através de dados antropológicos é possível afirmar que as psicopatologias, essas muito bem documentadas no DSM, nunca foram estáticas e de ocorrência global, mas sim, são tipicamente eventos sociais (cf. Pessoti, 2006). Claro que nesses casos não se incluem síndromes de determinação claramente biológica, como o autismo. De qualquer forma, seria simplesmente impossível existir uma síndrome de abuso de vídeo game no séc XIX. De forma menos drástica, seria muito improvável encontrar um caso dessa mesma psicopatologia em uma comunidade palpérrima da África sub-saariana, entretanto, com o devido serviço de divulgação, é possível encontrar um caso por lá.
“"For more than a generation now, we in the West have aggressively spread our modern knowledge of mental illness around the world. We have done this in the name of science, believing that our approaches reveal the biological basis of psychic suffering and dispel prescientific myths and harmful stigma. There is now good evidence to suggest that in the process of teaching the rest of the world to think like us, we’ve been exporting our Western “symptom repertoire” as well. That is, we’ve been changing not only the treatments but also the expression of mental illness in other cultures. Indeed, a handful of mental-health disorders — depression, post-traumatic stress disorder and anorexia among them — now appear to be spreading across cultures with the speed of contagious diseases. These symptom clusters are becoming the lingua franca of human suffering, replacing indigenous forms of mental illness.”
Hora de citar um clássico:
Toda era tem sua loucura peculiar. Algum plano, projeto ou fantasia em que mergulha, estimulada pelo amor do ganho, pela necessidade de emoção ou pela simples força da imitação. Se tudo isso falhar, ela ainda sim possui uma loucura a que é incitada por causas politicas ou religiosas, ou por ambas combinadas. ”—Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds, Charles Mackay
De qualquer forma, a pergunta persiste: de onde vêm essas doenças? É hora de falar de comportamento verbal. Em outro post.
Obs.: Atente que o conteúdo que o autor aqui apresentou não foi avaliado por seus pares. O que caracteriza tudo como um mero exercício de crítica e mau humor. Note também que não há um desmerecimento desregrado com a psiquiatria. Há sim o velho e ranzinza ceticismo em sua boa forma.
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Bibliografia
Frances, A. (2010). Normality Is an Endangered Species: Psychiatric Fads and Overdiagnosis. The Psychiatric Times. [ Acesso, requer inscrição ] - [ Uma curiosidade, ao se inscrever no sítio do Psychiatric Times, há um campo para preencher com sua 'profissão'. Vejam as opções na imagem abaixo. Clique para ampliar.]
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