Uma baboseira óbvia

“Óbvio” vem do latim obviu, definido pelo dicionário online da língua portuguesa Priberam como: que ocorre; que está adiante; patente; evidente, intuitivo; fácil de compreender. A obviedade vem sido tratada como se fosse um conceito claro e inerente ao substantivo, o qual é adjetivado pelo termo “óbvio”. Cotidianamente, é comum as pessoas dizerem que algo é óbvio: “é óbvio que eu nunca diria isso”, “você não acha óbvio que ele faria isso?”, “obviamente, você não estudou para a prova”.

Dizer que é óbvio que um cachorro bravo iria mordê-lo por você colocar a mão através da grade da casa do cachorro, torna o evento inerente ao cão e não à pessoa que pôs a mão pela grade. Contudo, por que é “óbvio” para um adulto que isso pode acontecer, mas o mesmo evento não é “óbvio” para uma criança pequena? Se a obviedade existe na coisa, por si só, ela deveria ser óbvia a todos, pois o sujeito em nada afetaria a propriedade de obviedade inerente à coisa.

Entretanto, o nível de obviedade parece ser variável de pessoa a pessoa. Sendo assim, não há obviedade inerente ao evento no mundo por si só. O que leva um adulto a dizer que é óbvia a mordedura do cão? Como saber que se pode ser mordido ao atravessar a mão pela grade? O sujeito pode ter aprendido isso em algum momento de sua vida por algum processo de aprendizagem direta ou indireta. Ele pode ter-se exposto diretamente a uma contingência aversiva, um dia ele atravessou a mão pela grade de uma casa que possuía um cão feroz e ele o mordeu. Ou então ele viu alguém fazê-lo e receber a mordedura, ou ainda, sua mãe dizia-lhe sempre que cães são perigosos, que eles mordem a mão de quem a atravessa pela grade da casa.

Provavelmente esse adulto observou (respostas verbais e/ou não verbais) que outras pessoas também evitam emitir a mesma resposta de risco. Toda uma sociedade, em geral, emite essa mesma resposta. O repertório parece ser básico e comum a todos. Daí a obviedade: todos daquela comunidade possuem repertório semelhante diante dessa situação específica, é algo que “qualquer um deve saber”, é óbvio!

A obviedade enquanto resposta verbal está sujeita aos níveis de seleção do comportamento: filogenético, ontogenético e cultural. O repertório verbal que tateia situações como sendo óbvias é aprendido em um convívio social, no qual há uma comunidade que partilha exposições topográfica e/ou funcionalmente comuns a contingências específicas.

O óbvio, por definição, exige que os membros da comunidade verbal tenham tido algum contato prévio com a contingência do óbvio. Se a comunidade não teve esse contato, com uma contingência qualquer, a qual um indivíduo se expôs, os demais membros da comunidade não podem dizer que é óbvio algo que eles desconhecem. A obviedade dos eventos no mundo, portanto, é intersubjetiva; é uma prática cultural; mais ainda, é uma resposta verbal de uma comunidade, que tateia consensualmente os eventos no mundo, sejam eles verbais ou não-verbais.

Essa é uma proposta de definição da obviedade que difere da definição usada pelo senso comum, a qual considera os eventos do mundo como tendo a propriedade de óbvio, e como sendo uma capacidade intelectual dos sujeitos reconhecer a obviedade inerente aos eventos. A obviedade não pode ser nem objetiva, no sentido de ser inerente ao objeto e nem subjetiva, como inerente à habilidade do sujeito de responder verbalmente ao óbvio.

Entretanto, a depender do recorte do que trata a obviedade, um evento pode ser óbvio a um único indivíduo, desde que ele responda a eventos a partir de sua própria ontogenia. Algo pode ser óbvio para um sujeito e não ser para nenhum outro. Mas o sujeito que considera algo óbvio a partir de sua própria história ontogenética não pode esperar que qualquer outro sujeito responda ao evento da mesma forma.

A obviedade subjetiva pode ser o tipo de resposta verbal subjetiva que se costuma atribuir os rótulos de “genialidade”, “esperteza”, “astúcia”, “perspicácia”, como atributos do sujeito, de suas habilidades cognitivas. Essa obviedade não é uma característica do sujeito, ela é um repertório aprendido por exposições diretas ou indiretas a contingências. A aprendizagem, entendida como processo constante de modificação do comportamento, ocorre de modo gradativo com ordem crescente de complexidade. Desse modo, as ditas habilidades cognitivas são repertórios modelados por contingências e ontogeneticamente característicos do sujeito.

Todos os repertórios ditos cognitivos que o sujeito classifica como óbvios e os demais sujeitos não podem emitir a mesma respostar de tatear o óbvio, não se deve ao fato de que o sujeito é mais genial que qualquer outra pessoa, ele apenas está falando sobre algo que somente ele teve acesso, ontogeneticamente.

Tanto a obviedade cultural quanto a obviedade subjetiva são respostas verbais modeladas ontogeneticamente. Algo só pode ser óbvio a um sujeito se ele se expôs às contingências necessárias em um processo de seleção cultural ou de seleção ontogenética. Uma mesma comunidade pode divergir frequentemente sobre a obviedade de diversos eventos, pois não necessariamente os mesmos eventos serão óbvios a todos os membros de uma comunidade.

A obviedade também não é imutável. Assim como algo passa a ser dito óbvio por um sujeito ou por uma comunidade, pode, a depender das mudanças contingentes, deixar de ser óbvio. A mordedura de um cão pode ser óbvia em um momento, todavia, em um local específico, depois de quinze anos sem registros de ocorrência de mordeduras caninas, a mordedura pode deixar de ser óbvia por parecer algo pouco provável de acontecer. Sendo assim, a obviedade é uma resposta verbal que não é inerente a um evento ou a uma capacidade pessoal dos sujeitos, isoladamente ou em comunidade, mas sim à ontogenia dos sujeitos.

Espero que essa postagem tenha sido bastante óbvia para você!

Saudações behavioristas!
Rubilene Borges

Por que há mais mulheres do que homens no Brasil? Um exercício de análises distais e proximais de um fenômeno biossocial

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Dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio - PNAD (IBGE, 2012) indicam que há seis milhões de mulheres a mais que homens no Brasil. Essa informação é válida para a maioria dos Estados, com exceção daqueles da Região Norte do país onde o resultado é inverso. Quanto à faixa etária, a maioria dos homens tem entre 25 e 39 anos e a maioria das mulheres entre 40 e 59 anos. Há mais homens que mulheres entre 0 e 4 anos e a há mais mulheres acima dos 60 anos do que homens.

Essas informações indicam que há mais mulheres do que homens no Brasil, mas que na juventude há mais homens que mulheres e essa mudança na fase adulta pode ocorrer em função de uma longevidade feminina maior que a masculina. Essa longevidade pode estar atrelada a uma história filogenética que selecionou maior tempo de vida à mulher.

Kirkwood (2010) discorre sobre como a história evolutiva selecionou a reprodução ao invés da manutenção do organismo. Um organismo que vivesse eternamente provavelmente teria um custo de vida alto para sua manutenção e, eventualmente, uma fatalidade poderia interromper a sua vida e cada unidade biológica morta não teria uma continuidade em termos de descendentes. Dessa maneira, a reprodução é a alternativa da natureza de manter as espécies vivas, através de um processo auto replicante. Logo, o principal processo biológico que garante a continuidade da vida no planeta é a reprodução.

Entre seres humanos primitivos, a mulher exercia o papel de gerar a vida e de cuidá-la até que atingisse maturidade suficiente para sobreviver por conta própria e gerar sua própria prole. Já o homem tinha participação mínima no processo de geração, contribuindo com a fecundação do óvulo, e não cuidava diretamente dos filhotes, engajado em atividades de provimento da fêmea e da prole, seja por meio de caça ou pastoreio, e de defesa da posse territorial.

Além disso, homens e mulheres diferiam em termos de velocidade e multiplicidade de reprodução. A fertilidade da mulher dependia de um ciclo ovulatório mensal que a deixava propicia ao sucesso da fecundação apenas por três dias no mês. E uma vez fecunda, cada gestação durava nove meses e após isso, durante a amamentação, a mulher ainda ficava um longo período sem estar disponível a nova fertilização. Todavia, o homem estava disponível à fertilização de óvulos a cada cópula que ocorresse em qualquer período e o seu papel gerativo encerrava-se nesse mesmo ato. Logo, enquanto a mulher precisava de mais de um ano de intervalo entre cada fecundação, independente de quantos parceiros sexuais ela pudesse ter tido em um mesmo período, o homem podia fecundar continuamente várias parceiras. Portanto, o processo de transmissão genética da mulher era muito mais lento que o do homem ao longo de suas vidas individuais. Filogeneticamente falando, a mulher precisava viver mais tempo que o homem para garantir que seus genes fossem passados adiante.

As mitocôndrias são responsáveis em converter nutrientes em energia para o corpo e possuem um DNA próprio que é herdado congenitamente da mãe. Estudos apontam que mutações no DNA mitocondrial podem acelerar o processo de envelhecimento dos homens e aumentar riscos de doenças (Trifunovic, 2006). Uma possível explicação para essas mutações se manterem na espécie é a forma de herança desse DNA uma vez que o homem que carrega o DNA mutante não passa a seus descendentes, mas a mãe sim. Dessa forma, a seleção natural não atuaria sobre esse processo uma vez que mulheres portadoras não são afetadas e podem continuar carregando os genes ao longo das gerações. Dessa forma, há maior prejuízo para a longevidade masculina do que para a feminina.

Pinheiro, Dejager e Libert (2011) expõem que o cromossomo X contém 10% de todos os microRNAs do genoma humano, parte dos quais favorece a imunidade. As mulheres, apresentando um par de cromossomos X levariam vantagem sobre os homens quanto à imunidade, tornando-as assim biologicamente mais resistentes. Assim, a mulher apresentava melhores condições de saúde que o homem e isso contribuía para garantir que sua prole se desenvolvesse em indivíduos fortes e aptos a sobreviver no mesmo ambiente em que os pais viveram. Esse desenvolvimento começava desde o período embrionário e para que esse processo ocorresse tipicamente semelhante aos demais membros da espécie, era preciso que a mãe estivesse saudável durante o período da gestação. Mulheres saudáveis tinham mais chances de ter uma gestação de sucesso, bem como sua prole crescia mais saudável tendo a mãe como cuidadora. Logo após o nascimento, o bebê ainda precisava ser nutrido pelo leite da mãe e o somente uma mãe saudável proveria um leite com todos os nutrientes necessários para crescimento e saúde do recém-nascido. Após o término dessa dependência nutricional do filhote, ele também precisava de outros cuidados que lhe ensinavam as primeiras habilidades que garantiriam sua própria sobrevivência. A mãe tendo boa saúde, consequentemente teria também mais tempo de vida.

A longevidade feminina também exercia outro tipo de papel na sobrevivência da espécie. O surgimento das avós contribuiu como um auxilio à mãe que era menos experiente e precisava cuidar de vários filhotes além de se engajar na atividade de coleta e contribuir com o provimento das crias, pois o ser humano tinha desvantagens biológicas em competição por alimento com outras espécies, apesar de compensar parte delas com o advento do uso, criação e armazenamento de ferramentas. O mesmo ocorre com a longevidade masculina, como auxílio à paternidade. O avô era um homem mais experiente e, sendo o ser humano capaz de falar e descrever acontecimentos, o avô é responsável por compartilhar conhecimento com os mais jovens, uma vez que ele provavelmente foi exposto a situações adversas durante sua vida e sobreviveu. A transmissão cultural da experiência pode ser um valor atribuído aos mais velhos (Resende, 2011), razão pela qual os humanos podem ter se ocupado em zelar pelos seus idosos e garantir a extensão da sua sobrevivência.

As mulheres são mais resistentes e tem maior expectativa de vida. Se homens e mulheres nascessem precisamente em mesma proporção, o número de homens disponíveis para cada mulher ficaria bastante reduzido em um ambiente altamente competitivo. No entanto, a porcentagem de natalidade masculina é um pouco maior que a feminina. Na década de 1960, Dr. Landrum Brewer Shettles (1909-2003) publicou achados em que dizia haver uma diferença de habilidade de deslocamento entre espermatozoides X e espermatozoides Y. Os espermatozoides com informação genética masculina seriam mais ágeis e tenderiam a alcançar o óvulo com mais rapidez que o seu concorrente feminino. Com isso, a probabilidade de fecundação pelo espermatozoide Y seria mais alta que os 50% previstos em função da produção igual de espermatozoides com cargas distintas. Contudo, estudos posteriores revelaram que as observações de Dr. Shettles não foram tão precisas e através de análise computadorizada de esperma, constatou-se que não há diferença morfológica entre os tipos de espermatozoide e que nenhum se desloca mais rapidamente que o outro (Grant, 2006). A diferença na natalidade entre meninos e meninas pode ocorrer em função de algum outro fator não genético.

Ainda assim, os homens nascem em maior quantidade, todavia são mais suscetíveis à mortalidade precoce durante toda a vida, seja por uma fragilidade natural em relação às mulheres ou pela forma como ocorre o seu desenvolvimento. No Brasil, a mortalidade infantil (0 a 9 anos) masculina deve-se principalmente a causas perinatais. Durante a adolescência e o início da vida adulta (10 a 39 anos), a maioria das mortes passa a ser em decorrência de causas externas (e. g. homicídio e acidentes de trânsito) e da idade adulta mais madura até a velhice (de 40 anos em diante), as causas principais são as doenças do aparelho circulatório (Laurenti, Jorge & Gotlieb, 2005).

Problemas no coração e comportamento agressivo são, então, os principais fatores de risco que se desenvolvem ao longo da vida individual dos homens. As mulheres tem menor tendência a sofrer ataques cardíacos em função do estrogênio, entretanto, após a menopausa, o risco começa a se aproximar ao dos homens (para melhor esclarecimento ver Stramba-Badiale, Fox, Priori, Collins, Daly, Graham, Jonsson, Schenck-Gustafsson & Tendera, 2006).

O MAOA é um gene que codifica a enzima monoamina oxidase A e diminui a quantidade de neurotransmissores de dopamina, noradrenalina e serotonina. Existe uma mutação do gene MAOA em MAOA-L que codifica produção em excesso de monoamina e, com isso, diminui drasticamente os neurotransmissores, o que poderia aumentar os níveis de agressividade. No entanto, essa mutação é um distúrbio raro. Simpson (2001) identifica evidências de que o comportamento agressivo está correlacionado a testosterona. Zethraeus, Kocoska-Maras, Ellingsen, von Schoultz, Hirschberg e Johannesson (2009) realizaram um experimento em três grupos de mulheres na menopausa tratando um grupo com estrogênio, um outro com testosterona e um terceiro com placebo e mediram atitudes de risco em situações de experimento econômico medindo e não encontraram diferença de desempenho entre os grupos.

Variáveis da experiência de vida tanto das mulheres quanto dos homens também são responsáveis pela ocorrência de comportamento de risco. A violência urbana está atrelada às múltiplas situações aversivas que a vida em grandes comunidades propicia (Andery & Sério, 2001). Laurenti et al (2005) relatam que práticas culturais levam o homem a ser menos cuidado pela sociedade e por si mesmo. Não existem no Brasil programas de saúde voltados especificamente para o homem adulto como há para crianças, mulheres e idosos nem ações educativas tão massivas quanto à prevenção do câncer de próstata e de pulmão como os programas de adesão ao tratamento do câncer de mama e de colo do útero. Além disso, como tradicionalmente é legado à mulher o papel de acompanhar crianças, idosos e outros adultos em atendimentos clínicos e hospitalares, a mulher teria maior sensibilidade à necessidade de consultar um médico mediante qualquer suspeita de problemas de saúde.

Em suma, é provável que haja mais mulher do que homens porque a longevidade feminina foi selecionada filogeneticamente em virtude do seu papel como geradora e cuidadora da prole; porque ontogeneticamente o homem está mais propenso à mortalidade por causas externas; porque causas próximas genético-fisiológicas desfavorecem os homens quanto à imunidade e à velocidade de envelhecimento e porque funcionalmente, as mulheres mais velhas contribuem para a formação dos netos uma vez que as mães estão engajadas em outras atividades concorrentes à criação dos próprios filhos.

Até a próxima, pessoal!
Rubilene Borges

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Referências

Andery, M. A. P. A. & Sério, T. M. A. P. (2001). A violência urbana: aplica-se à análise da coerção? Em R. A. Banaco (Org.) Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitiva, 1 (pp. 382-392). Santo André: Arbytes.

Grant, V. J. (2006). Entrenched misinformation about X and Y sperm. British Medical Journal, 332, 916-916 DOI: 10.1136/bmj.332.7546.916-b

Hunter, P. (2010) The psycho gene. The European Molecular Biology Organization Reports, 11, 667-669.

IBGE (2012). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

Kirkwood, T. (2010). Why women live longer? Stress alone does not explain the longevity gap. Scientific American, 303, 34-35.

Laurenti, R., Jorge, M. H. P. M., & Gotlieb, S. L. D. (2005). Perfil epidemiológico da morbi-mortalidade masculina. Ciência & Saúde Coletiva, 10, 35-46.

Pinheiro, I., Dejager, L., & Libert, C. (2011). X-chromossome-located microRNAs in  immunity: might they explain male/female differences? Bioessays, 33, 791-802.

Resende, B. D. (2011). Contribuições da perspectiva evolucionista para a Gerontologia.  Revista Kairós Gerontologia, 14, 99-107.

Simpson, K. (2001). The role of testosterone in aggression. McGill Journal of Medicine, 6, 32-40.

Stramba-Badiale, M., Fox, K. M., Priori, S. G., Collins, P., Daly, C., Graham, I., Jonsson, B., Schenck-Gustafsson, K., & Tendera, M. (2006). Cardiovascular diseases in women: a statement from the policy conference of the European Society of Cardiology. European Heart Journal, 27, 994-1005.

Trifunovic, A. (2006). Mitochondrial DNA and ageing. Biochemistry & Biophysics Acta, 1757, 611-617 DOI: 10.1016/j.bbabio.2006.03.003

Zethraeus, N., Kocoska-Maras, L., Ellingsen, T., von Schoultz, B., Hirschberg, A. L., & Johannesson, M. (2009). A randomized trial of the effect of estrogen and testosterone on economic behavior. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 106, 6535-6538.

Etologia e Análise do comportamento: concepções afins sobre os fatores determinantes do comportamento

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Tinbergen (1963) ao escrever sobre os objetivos e os métodos da Etologia discorre sobre quatro perspectivas a partir das quais é possível o estudo do comportamento dos organismos: causação, valor de sobrevivência, ontogenia e evolução (causation, survival value, ontogeny, evolution). Para Tinbergen, a Etologia é o estudo biológico do comportamento e é dedicada a compreender um fenômeno observável que deve ser investigado por meio da observação naturalística e também pela experimentação.

Uma clara compreensão do comportamento envolve o conhecimento de suas causas imediatas, i.e. o quanto a interação direta do organismo com o ambiente evoca as ações momentâneas daquele que se comporta. Nesse aspecto, o comportamento precisa ser entendido enquanto uma atividade do organismo com um grau de complexidade maior que suas funções fisiológicas. Ainda assim, o comportamento funciona como um órgão, uma vez que depende e é limitado pelas estruturas físicas do corpo envolvidas no comportamento apresentado e relaciona-se às características da espécie.

O repertório comportamental que é apresentado pela média dos indivíduos de uma espécie (ou população) provavelmente se mantém presente nesse grupo em função de ter algum valor de sobrevivência. Essa função não é o que determina e direciona o comportamento, pelo contrário, é uma consequência deste. O estudo do valor de sobrevivência de um determinado comportamento possibilita a compreensão do impacto que sua ausência pode ter sobre a longevidade dos indivíduos e, consequentemente sobre a espécie. Longe de ter valores morais atrelados a esse “valor”, a relevância de estudar o comportamento a partir desse ponto de vista revela a importância da permanência ou da extinção de comportamentos na manutenção da espécie.

Os organismos não se comportam de maneira imutável. Não há uma relação fixa na interação com o ambiente que produza respostas idênticas, totalmente pré-programadas e impassíveis de sofrer alterações. O organismo responde ao ambiente do modo que o faz e propicia, por consequência, a sua própria sobrevivência (e da sua espécie) em função da história do seu desenvolvimento individual. O estudo da ontogenia aborda as mudanças que ocorrem no “maquinário do comportamento” (behaviour machinery) durante o desenvolvimento dos indivíduos.

Tinbergen, ao discutir as influências sobre o comportamento ontogenético, pontua que o termo “inato” não deve ser tomado como oposto a “aprendido”, mas sim como oposto a “ambientalmente induzido”. Nesse sentido, torna-se pouco provável que um comportamento possa ser considerado totalmente inato. Estudos que classificam comportamentos típicos de espécies (e.g. padrões fixos de ação) como sendo inatos, muitas vezes o fazem por eliminação. Uma vez que eventos ambientais manipulados não demonstram efeitos sobre o comportamento estudado, assume-se que foram testados eventos ambientais suficientes e que a ausência de alteração no comportamento pode ser atribuída a fatores internos do organismo. Contudo, a forma de validar a influência interna deveria ser a mesma da influência externa: variando fatores internos do organismo e observando sua influência sobre o comportamento.

O comportamento é, então, fruto de relação bidirecional entre propriedades do organismo e variações do ambiente. Essas variações do ambiente interagem com características limitadas por um organismo que partilha semelhanças com os demais membros de sua espécie, sendo que essa espécie possui uma história filogenética que foi moldada pela evolução em termos de estrutura e de comportamento.

A evolução difere dos demais aspectos do estudo do comportamento na medida em que não pode ser colocada diretamente sobre observação, mas sim é reconstituída a partir de dados fósseis entendidos dentro de um contexto hipotético formulado a partir de estudos comparativos com características atuais da espécie e de espécies geneticamente mais próximas.

A contribuição do estudo da evolução no entendimento da determinação do comportamento reside em dois aspectos: 1) a elucidação do curso que a evolução pode ter tomado e 2) o entendimento da sua dinâmica. O primeiro aspecto relaciona-se à reconstrução da trajetória dos ancestrais humanos até o que se tornaram atualmente e o segundo à compreensão do papel da variação e da seleção natural sobre características comportamentais atualmente presentes.

Assim sendo, a análise de um fenômeno comportamental pode ser feita de um ponto de vista proximal, através do estudo das relações causais entre estímulos e respostas e da história de desenvolvimento dos indivíduos ou do ponto de vista distal, por meio da consideração dos processos evolutivos que propiciaram a oportunidade de emissão dos comportamentos à espécie e do valor de sobrevivência que esses comportamentos lhe fornecem.

Skinner (1981) postula que o comportamento varia e é selecionado em três níveis: 1) contingências de seleção natural; 2) contingências de reforçamento; e 3) contingências do ambiente cultural. Esses níveis agem como mecanismos similares sobre a espécie, o indivíduo e o grupo respectivamente. Essa concepção selecionista do comportamento implica que as pessoas se comportam de certa maneira em função de uma seleção que já aconteceu sobre uma variação aleatória.

Com isso, algumas noções são removidas do universo causal do comportamento, tais como propósito, essência, juízos de valor e agentes iniciadores. Em nenhum dos três níveis podemos falar de uma seleção finalista ou de forças mobilizadoras, pois a variação ocorre aleatoriamente e a seleção atua sobre ela, de modo que algumas características ocasionam a continuidade da espécie, do repertório ou da prática social, enquanto outras se extinguem. Além disso, não podemos classificar as consequências seletoras sob as categorias de “boas” ou “ruins”, pois o que pode ser “bom” para um indivíduo não necessariamente o será também para o grupo ou para a espécie e vice-versa.

Os seres humanos estão hoje aptos a promover intervenções na variação de aspectos em diferentes níveis. É possível alterar condições genéticas dos organismos, modelar novos comportamentos, e elaborar novas práticas culturais, todavia, qualquer uma dessas alterações depende de ser selecionada para se manter presente e ser perpetuada seja na espécie, na vida de um indivíduo ou de um grupo.

Baum (1999) chama de fitness (aptidão) a tendência de aumento quantitativo de um genótipo em relação a outros dentro de uma população mediante as pressões seletivas do ambiente. Há três condições que permitem o fitness: 1) a presença constante (por um período) de uma pressão ambiental que torne vantajosa uma característica; 2) a variação genética e 3) a competição. Uma vez que a média da população atinja o fitness, a alteração cessa e a característica se estabiliza.

Baum lista cinco maneiras de a filogenia afetar o comportamento e promover o fitness, através do fornecimento de: 1) padrões constantes de comportamento relacionados à sobrevivência e à reprodução; 2) genótipos responsáveis pela capacidade de condicionamento respondente e 3) de condicionamento operante; 4) mecanismos fisiológicos de privação e saciação; e 5) seleção de tendências que favorecem o condicionamento de certos sinais no condicionamento respondente e que fortalecem certas ações no condicionamento operante.

O fitness ocorre também no nível das interações sociais. A aprendizagem cultural é um operante social, onde o comportamento do grupo programa consequências para o comportamento do outro. Assim como em um processo evolutivo da seleção natural de genótipos, a cultura também apresenta mecanismo de variação, transmissão e seleção. Replicadores, i.e. práticas comportamentais reforçadas por contingências sociais, podem sofrer variação através de: 1) mutação ocasionada por uma reprodução imperfeita do comportamento de outros; 2) recombinação  de repertórios pré-existentes ou 3) migração de indivíduos de uma sociedade para outra de práticas culturais distintas.

A transmissão pode ocorrer via imitação ou comportamento controlado por regras, ou seja, comportamento determinado por antecedentes verbais (Catania, 1999) produzidos pelo comportamento verbal dos membros da comunidade. A seleção ocorre através de uma transmissão seletiva onde a imitação e o seguimento de regras, dentro de um ambiente competitivo de opções a serem imitadas ou seguidas, são alterados de acordo com a probabilidade de sucesso (i.e. consequenciação reforçadora) do comportamento a ser replicado (Baum, 1999).

Claidieré e André (2012) identificaram diferenças importantes quanto aos modos de transmissão genética (GTMs) e os modos transmissão cultural (CTMs). Os GTMs são de dois tipos: biparental e maternal; a transmissão biparental está relacionada ao DNA cromossômico e a maternal ao DNA mitocondrial. Os CTMs podem ser verticais – de pais (biológicos e/ou culturais) para filhos; ou horizontais – de outros membros da comunidade de uma mesma geração. No que concerne à transmissão genética, o que é transmitido não guarda relação com o modo de transmissão e há um número limitado de modos simples e estáveis. Enquanto que na transmissão cultural, modos diferentes influenciam na evolução cultural em função sua multiplicidade e de haver relação entre práticas transmitidas e o modo de transmissão (Claidieré & André, 2012). Além disso, a transmissão vertical é mais lenta que a horizontal, de modo que a velocidade das transformações das práticas culturais é consideravelmente maior que das transformações genotípicas (Baum, 1999; Claidieré & André, 2012).

Micheletto (2001) enfatiza que os níveis de seleção são atuantes sobre uma ampla variedade que se mantém em competição entre as variantes de cada nível. A seleção atua sobre várias espécies, vários repertórios e várias culturas. A variabilidade e a competição são, portanto, mecanismos básicos para a existência das espécies e a consequência desses mecanismos é o processo de seleção que, na evolução da espécie humana, ocorre pela seleção natural, operante e social.

Esses estágios filogenéticos evoluíram e foram selecionados mediante o sucesso obtidos por novas formas de adaptar o comportamento ao meio. A seleção natural prepara a espécie para o ambiente atual, contudo, esse ambiente não permanece constante. A seleção operante permite que o organismo se ajuste ao seu ambiente, com novas aprendizagens. Entretanto, por mais que o operante forneça ao organismo a oportunidade de adquirir novos repertórios em função das consequências da sua atuação sobre o ambiente, o tempo de vida do organismo é curto e, com isso, sua experiência direta é limitada, pois seu processo de aprendizagem por ensaio-e-erro é lento. A seleção cultural permite que o organismo aprenda não apenas com sua própria experiência, mas também com a experiência do outro, otimizando a amplitude do seu repertório (Micheletto, 2001).

A Etologia e a Análise do Comportamento, portanto, apresentam concepções convergentes a respeito dos processos envolvidos na multideterminação do comportamento e atuam como ciências afins com enfoques não muito distintos, pois toda análise ou descrição do comportamento em alguma medida deverá considerar aspectos distais e proximais para a construção de um entendimento completo dos fenômenos comportamentais.

Por hoje é só!
Rubilene Borges

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Referências

Baum, W. (1999). Compreender o behaviorismo: ciência comportamento e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas.

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: Artmed.

Claidière, N., & André, J. B. (2012). The transmission of genes and culture: a questionable analogy Evolutionary Biology (39), 12-24 DOI: 10.1007/s11692-011-9141-8

Micheletto, N. (2001). Variação e seleção: as novas possibilidades de compreensão do comportamento humano. Em R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição - vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista (pp. 116-129). Santo André: ESETec.

Skinner, B.F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.

Tinbergen, N. (1963). On aims and methods of ethology. Zeitschrift für Tierpsychologie, 20, 410-433 DOI: 10.1111/j.1439-0310.1963.tb01161.x

Comportamento, cultura e sociedade

O que é preciso para ser um cientista? Entre muitas coisas, é preciso uma incessante curiosidade em entender como o mundo funciona. O verdadeiro cientista é aquele que tem sede de conhecimento, que é fascinado por esse belo Universo que funciona a sua maneira e que nos intriga com suas regularidades e mais ainda com suas irregularidades. O sonho do cientista é dispor dos melhores recursos (e dos melhores salários!) para se dedicar aos achados que desvendem mistérios que há milênios a humanidade tenta compreender. Mas nem só de vaidade pode viver a Ciência. O conhecimento científico moldou todos os parâmetros do que hoje conhecemos por civilização. A Ciência é mais do que o estudo contemplativo e curioso do que move o mundo, ela é o veículo de aprimoramento da sobrevivência humana, da quebra de fronteiras, seja da comunicação, da educação, da longevidade, da reprodução, da conservação do mundo que muitas vezes já foi agredido pelo “progresso”. O conhecimento científico está a serviço da sociedade, da população.

A Análise do Comportamento é uma ciência de nós mesmos, de como nos relacionamos com o mundo, de como o alteramos e somos por ele alterados. E como toda ciência, ela pode, deve e traz muitos benefícios à sociedade. Seus laboratórios produzem um mundo de conhecimento de como as relações interpessoais funcionam e geram, com isso, meios de alterar o mundo a favor de relações otimizadas em variados setores como Saúde, Educação, Justiça, Política etc.

A IV Jornada de Análise do Comportamento de Belém traz o tema “Comportamento, cultura e sociedade” na busca de discutir o papel social que a Análise do Comportamento desempenha dentro da realidade brasileira atual. Para isso, convidamos professores e outros profissionais experientes em suas áreas de atuação para apresentar à comunidade acadêmica de Psicologia discussões atuais do que a Análise Aplicada do Comportamento tem produzido em prol das demandas sociais onde a intervenção comportamental se faz necessária.

Agradeço a todos os convidados que aceitaram tornar esse evento possível e a todos os estudantes que enviaram seus trabalhos. E desejo a todos os inscritos uma excelente IV JAC Belém!


Atenciosamente,
Rubilene Borges
Gerente de Programação Científica da IV JAC Belém

O quanto sabemos de história?

Ainda é comum entre o currículo básico de psicologia ter-se uma disciplina introdutória à história desta disciplina. Os nomes por vezes podem variar (e.g. Sistemas e Teorias em Psicologia, Introdução à Psicologia), mas o foco principal é a discussão sobre temas de interesse histórico. Interesse histórico. Uma expressão típica que não colabora para o entendimento sequer mínimo do que é estudado, como, por que e por quem.


Este ensaio deve servir para esboçar uma reflexão preliminar sobre essas quatro questões (o que? Como? Por que? Por quem?), mas não seguirei necessariamente essa ordem de apresentação. Ainda assim, espero que a lógica dos argumentos possa ser suficientemente útil ao leitor.

Comecemos com o por que de se estudar história. Por que a maioria dos cursos de psicologia do Brasil tem uma disciplina com este enfoque? Por conta da tradição de pesquisa histórica ou pelo importância particular que a história da ciência psicológica tem para entender a diversidade de perspectivas e abordagens da psicologia? Acho que isso é, no mínimo, menos provável. Provavelmente a maioria de nós estudou história porque fomos obrigados.

Calouros "ingênuos" e empolgados com o novo mundo da universidade e curiosos por saber desta nova profissão (para alguns talvez a primeira e única), fomos conhecendo– talvez – um pequeno punhado de manuais de história da psicologia: Boring, Herrnstein, Marx, Hilliz, Schultz, duas vezes Schultz.

Algo como 100, 150 ou até 500 anos de história num compilado de algumas centenas de páginas. Quando ouvimos a narrativa histórica encadeada por alguns manuais, talvez a vida pareça um fenômeno estabelecido sobre parâmetros muito evidentes: a história das sociedades é a história das disputas econômicas e a história das ciências a história dos métodos e técnicas que nos aproximam da verdade.

É uma pena que nos pareça assim! A história é um campo do conhecimento que tem uma tradição de pesquisa pelo menos 2000 anos mais velha que as ciências modernas do século XVI e as discussões epistemológicas que ela guarda deveriam nos inspirar mais dúvida sobre o que fazemos como "história da psicologia" em nossas disciplinas básicas.

Escolher uma pequena lista de manuais de referência e discursar à frente de algumas dezenas de jovens "crus" lançados no caldeirão do mundo acadêmico dizendo que está-se ali ensinando sobre história é um equívoco que serve mais ao cumprimento de diretrizes político-administrativas do que à formação de profissionais com alguma qualificação significativa.

Mas não é mistério que se valer exclusivamente de aulas expositivas, neste contexto, está longe de ser a melhor solução se pretende-se ensinar história da psicologia. Então por que faz-se isso? Por que os professores de história da psicologia não tentam algo diferente? Porque não temos professores de história da psicologia!

Como se forma um historiador de ciências no Brasil? Na linguagem de um analista do comportamento: muito mais pela exposição direta à contingências do que pela aprendizagem social por imitação/modelação e/ou regras.

O que isto quer dizer? Usemos uma anedota. Um jovem professor de psicologia que construiu uma formação sólida conciliou sua área de atuação com o estudo constante (mas pouco sistemático) de tópicos teóricos sobre os diferentes sistemas da psicologia e algo sobre filosofia da ciência e a filosofia da mente (quem sabe até algo sobre filosofia da linguagem). Por seu rigor teórico (ou por necessidade financeira mesmo) este bom rapaz assume disciplina de história da psicologia. Que sonho! A chance de por seus conhecimentos à prova em uma disciplina nobre.

É uma pena, mas cedo ele descobre que sua satisfatória eloquência não satisfaz o critério de atratividade da maioria de seus alunos, que costumeiramente não acompanham as leituras sugeridas e pouco desafiam o conhecimento deste jovem mestre com perguntas interessantes. Então, o professor resolve propor uma avaliação em grupo em que os alunos devem apresentar um seminário sobre algum autor importante da psicologia ou mesmo uma escola psicológica inteira. O exercício de pesquisa e a oportunidade de autonomia de pensamento confortam o nosso sábio personagem que muito se desaponta quando vê seus alunos recitarem (por vezes entre soluços confusos pelo mal uso do léxico) as mesmas expressões, os mesmo jargões, os lugares comuns lidos nos próprios manuais usados na disciplina ou (na "era da internet") rigorosamente extraídos de uma sítio virtual qualquer.

O que esses alunos aprenderam? Uma lição que ainda é muito cara às nossas universidades: não é preciso aprender tudo (quiçá muito) para se formar. Ainda mais quando estamos tratando de assuntos históricos, filosóficos e/ou teóricos. Nós ainda temos muita dificuldade em ensinar uma história, filosofia ou fundamentos teóricos específicos que sejam realmente úteis e imprescindíveis à maioria dos nossos profissionais no Brasil.

Retomando o tópico original, isto pode se dar exatamente porque, no fim das contas, não ensinamos métodos de pesquisa histórica nem discutimos sobre os critérios que conduzem a construção das narrativas históricas. Ora, mas se vamos tratar de métodos e critérios de validação e verdade, então trataremos de metodologia e filosofia da ciência? Exato!

Parece que um dos primeiros passos para tornar útil, necessário e – talvez – imprescindível o conhecimento da história da psicologia é mostrar como ele é construído, por quem, analisar a lógica interna do discurso histórico em paralelo com a dinâmica sócio-histórica, econômica e cultural que a acompanha. Treinar os alunos a construir uma narrativa histórica, criticá-la, identificar seus alcances e limites são algumas das alternativa que podem fazer das disciplinas de história da psicologia de fato uma etapa à formação ética e crítica do profissional de psicologia.

E por que todo este trabalho é necessário? Manuais são mais um recurso útil à construção do conhecimento histórico, mas qual o alcance que eles tem? Que tipo de fontes históricas eles consultam? Com base em que critérios seus autores organizam seus dados? Será que a narrativa que é apresentada em um manual específico dá conta das particularidades do desenvolvimento histórico da psicologia em qualquer contexto regional em que ele é utilizado?

A essa última pergunta sabemos a resposta: não. E se os manuais não dão conta, e jamais darão (e isso não é "o" problema), é porque há campo para se conduzir pesquisas históricas e elas contribuíram efetivamente para esses novos estudantes de psicologia compreenderem "onde estão pisando",por que eles estudarão os conteúdos que estudarão e, possivelmente, eles próprios identificarão os limites de seu processo de formação e – com as bases de formação em pesquisa – expandirão o alcance de seus currículos por sua própria conta.

Espero que algo disso aqui lhes seja útil.

Um abraço,


Luiz Henrique Santana


P.S.: Como disse, este é um ensaio livre e por isso não me detive em apoiar-me sobre uma lista específica de referências. A sugestão de estudo que dou é que o leitor defina uma curiosidade histórica que possa ter e busque referências sobre ela (desde textos não especializados até artigos publicados em periódicos). Compare os argumentos, identifique o alcance e o limite de cada tipo de texto, descubra as fontes utilizadas e busque outras fontes possíveis para o mesmo tema. Isto provavelmente o ajudará a identificar as limitações de se estudar a história da psicologia como a fazemos.