Tinbergen (1963) define que Etologia é o estudo biológico do comportamento, o qual se dedica a compreender um fenômeno observável que deve ser investigado por meio da observação naturalística e pela experimentação. Tem por objetivo compreender o comportamento das espécies de modo a produzir procedimentos eficazes de predição comportamental, manejo e conservação dessas espécies.
A Etologia pode investigar relações comportamentais em quatro níveis de análise: valor de sobrevivência, evolução, causa imediata e ontogenia, (Tinbergen, 1963). O valor de sobrevivência trata da compreensão do impacto que sua ausência pode ter sobre a longevidade dos indivíduos e, consequentemente sobre a espécie; a evolução promove: 1) a elucidação do curso que a evolução pode ter tomado e 2) o entendimento da sua dinâmica. O primeiro aspecto relaciona-se à reconstrução da trajetória dos ancestrais humanos até o que se tornaram atualmente e o segundo à compreensão do papel da variação e da seleção natural sobre características comportamentais atualmente presentes; a causa imediata refere-se a quanto a interação direta do organismo com o ambiente evoca as ações momentâneas daquele que se comporta; e a ontogenia aborda as mudanças que ocorrem no “maquinário do comportamento” (behaviour machinery) durante o desenvolvimento dos indivíduos.
Desenvolvimento para a Etologia é concebido como ajustamentos que capacitam o organismo a aumentar suas chances de sobrevivência (Pontes & Izar, 2005). As maiores contribuições da Etologia para a Psicologia do desenvolvimento estão na produção de métodos derivados do estudo do comportamento animal, na identificação de princípios do desenvolvimento e da motivação, na elaboração de uma base comparativa entre as espécies e na perspectiva evolucionista sobre o comportamento (Archer, 1992)
Tinbergen, ao discutir as influências sobre a ontogenia do comportamento, pontua que o termo “inato” não deve ser tomado como oposto a “aprendido”, mas sim como oposto a “ambientalmente induzido” (Tinbergen, 1963). Desse modo, a compreensão dos aspectos biológicos do comportamento é tão importante quanto os aspectos ambientais que o influenciam. O estudo da ontogenia precisa abarcar ambos os fatores uma vez que o organismo não pode ser considerado geneticamente programado, bem como não pode ser visto como uma tabula rasa (Burton, 1977).
Há dois princípios biológicos importantes na compreensão do desenvolvimento: variabilidade e regularidade. Burton (1977) comparou repertórios comportamentais de papéis de gênero em 21 espécies de primatas e encontrou que não há padrão entre as espécies, mas que assim como outros tipos de comportamento, a variabilidade é que pode ser considerada um padrão nas relações sociais de primatas. Porém, apesar da variabilidade, existem repertórios ao longo do desenvolvimento dos espécimes que apresentam regularidades encontradas em todas as espécies.
Nesse sentido, a Etologia contribui para o estudo do desenvolvimento na medida em que estuda as causas tanto da variabilidade quanto das regularidades. Essas causas são investigadas através de princípios gerais do desenvolvimento como a interação entre variáveis biológicas e sociais (nature X nurture), interação entre maturação e experiência, períodos sensitivos e experiência precoce, alternância entre continuidade e descontinuidade (Archer, 1992).
Cole e Cole (2004) afirmam que a Psicologia do Desenvolvimento estuda a sequência de mudanças físicas, cognitivas, psicológicas e sociais do ser humano. Esses aspectos da vida humana são investigados tendo por foco três questões fundamentais: continuidade, fontes de desenvolvimento e diferenças individuais.
A continuidade refere-se às analogias de origem evolucionária entre as espécies, às mudanças qualitativas do desenvolvimento ao longo da linha do tempo da vida do indivíduo e às funções da influência do ambiente sobre o desenvolvimento em diferentes períodos da vida.
Quanto ao processo do desenvolvimento, a Etologia considera que a visão tradicional da psicologia para a descontinuidade qualitativa do desenvolvimento deve ser tomada como graus de variação da continuidade. Além disso, as mudanças ocorridas em um estágio juvenil não podem ser consideradas meramente um passo pré-requisito a um estágio maduro, mas sim um aspecto funcional do próprio período da vida do indivíduo em sua interação com o mundo (Archer, 1992). Contudo, a funcionalidade do ambiente sobre os diferentes períodos da vida de um indivíduo pode ter variações.
As fontes de desenvolvimento são aquelas advindas da interação entre o organismo e o ambiente. Pesquisas anteriores tratavam as fontes sob perspectivas extremistas que apontavam como determinantes isolados do desenvolvimento seus aspectos genéticos ou as influências do ambiente. Estudos mais recentes buscam compreender o desenvolvimento de maneira que tanto os fatores biológicos quanto os ambientais sejam parte constituinte do processo (Rutter, 2002). Modelos de processos evolutivos estão sendo amplificados para a compreensão de outros fatores além da genética, tais como a epigenética e a heredirariedade cultural (Jablonka & Lamb, 2005)
A interação entre os fatores biológicos e ambientais é também a responsável pelas diferenças individuais entre organismos. Geary (2006) defende que essa interação ocorre sobre o fenótipo, onde a variação se expõe ao ambiente e se esse fenótipo tiver um correlato genético, a seleção pode ocorrer e será transmitida. Portanto, o estudo do desenvolvimento envolveria a identificação de padrões típicos para uma espécie na mudança fenotípica, de suas fontes de variação genética e do ambiente e também análise comparadas com outras espécies.
Até a próxima!
Rubilene Borges
____________
Referências
Archer, J. (1992). Ethology and human development. Hemel Hempstead: Harvester Wheatshead.
Burton, F. D. (1977). Ethology and the development of sex and gender identity in non-human primates. Acta Biotheoretica, 26, 1-18.
Cole, M., & Cole, S. (2004). O desenvolvimento da criança e do adolescente. Porto Alegre: Artmed.
Geary, D. C. (2006). Evolutionary developmental psychology: current status and future directions. Developmental Review, 26, 113-119.
Jablonka, E., & Lamb, M. J. (2005). Evolution in four dimension: generic, epigeneric, behavioral, and symbolic variation in the history of life. Cambridge: MIT Press.
Pontes, F. A. R., & Izar, P. (2005). O estudo das relações sociais sob a perspectiva etológica. Em Fernando Pontes, Celina Magalhães, Regina Brito, & William Lee (Orgs.). Temas Pertinentes para a Construção de uma Psicologia Contemporânea (pp. 65-96). Belém: EDUFPA.
Rutter, M. (2002). Nature, nurture, and development: from evangelism through science toward policy and practice. Child Development, 73, 1-21.
Tinbergen, N. (1963). On aims and methods of ethology. Zeitschrift für Tierpsychologie, 20, 410-433.
A Etologia pode investigar relações comportamentais em quatro níveis de análise: valor de sobrevivência, evolução, causa imediata e ontogenia, (Tinbergen, 1963). O valor de sobrevivência trata da compreensão do impacto que sua ausência pode ter sobre a longevidade dos indivíduos e, consequentemente sobre a espécie; a evolução promove: 1) a elucidação do curso que a evolução pode ter tomado e 2) o entendimento da sua dinâmica. O primeiro aspecto relaciona-se à reconstrução da trajetória dos ancestrais humanos até o que se tornaram atualmente e o segundo à compreensão do papel da variação e da seleção natural sobre características comportamentais atualmente presentes; a causa imediata refere-se a quanto a interação direta do organismo com o ambiente evoca as ações momentâneas daquele que se comporta; e a ontogenia aborda as mudanças que ocorrem no “maquinário do comportamento” (behaviour machinery) durante o desenvolvimento dos indivíduos.
Desenvolvimento para a Etologia é concebido como ajustamentos que capacitam o organismo a aumentar suas chances de sobrevivência (Pontes & Izar, 2005). As maiores contribuições da Etologia para a Psicologia do desenvolvimento estão na produção de métodos derivados do estudo do comportamento animal, na identificação de princípios do desenvolvimento e da motivação, na elaboração de uma base comparativa entre as espécies e na perspectiva evolucionista sobre o comportamento (Archer, 1992)
Tinbergen, ao discutir as influências sobre a ontogenia do comportamento, pontua que o termo “inato” não deve ser tomado como oposto a “aprendido”, mas sim como oposto a “ambientalmente induzido” (Tinbergen, 1963). Desse modo, a compreensão dos aspectos biológicos do comportamento é tão importante quanto os aspectos ambientais que o influenciam. O estudo da ontogenia precisa abarcar ambos os fatores uma vez que o organismo não pode ser considerado geneticamente programado, bem como não pode ser visto como uma tabula rasa (Burton, 1977).
Há dois princípios biológicos importantes na compreensão do desenvolvimento: variabilidade e regularidade. Burton (1977) comparou repertórios comportamentais de papéis de gênero em 21 espécies de primatas e encontrou que não há padrão entre as espécies, mas que assim como outros tipos de comportamento, a variabilidade é que pode ser considerada um padrão nas relações sociais de primatas. Porém, apesar da variabilidade, existem repertórios ao longo do desenvolvimento dos espécimes que apresentam regularidades encontradas em todas as espécies.
Nesse sentido, a Etologia contribui para o estudo do desenvolvimento na medida em que estuda as causas tanto da variabilidade quanto das regularidades. Essas causas são investigadas através de princípios gerais do desenvolvimento como a interação entre variáveis biológicas e sociais (nature X nurture), interação entre maturação e experiência, períodos sensitivos e experiência precoce, alternância entre continuidade e descontinuidade (Archer, 1992).
Cole e Cole (2004) afirmam que a Psicologia do Desenvolvimento estuda a sequência de mudanças físicas, cognitivas, psicológicas e sociais do ser humano. Esses aspectos da vida humana são investigados tendo por foco três questões fundamentais: continuidade, fontes de desenvolvimento e diferenças individuais.
A continuidade refere-se às analogias de origem evolucionária entre as espécies, às mudanças qualitativas do desenvolvimento ao longo da linha do tempo da vida do indivíduo e às funções da influência do ambiente sobre o desenvolvimento em diferentes períodos da vida.
Quanto ao processo do desenvolvimento, a Etologia considera que a visão tradicional da psicologia para a descontinuidade qualitativa do desenvolvimento deve ser tomada como graus de variação da continuidade. Além disso, as mudanças ocorridas em um estágio juvenil não podem ser consideradas meramente um passo pré-requisito a um estágio maduro, mas sim um aspecto funcional do próprio período da vida do indivíduo em sua interação com o mundo (Archer, 1992). Contudo, a funcionalidade do ambiente sobre os diferentes períodos da vida de um indivíduo pode ter variações.
As fontes de desenvolvimento são aquelas advindas da interação entre o organismo e o ambiente. Pesquisas anteriores tratavam as fontes sob perspectivas extremistas que apontavam como determinantes isolados do desenvolvimento seus aspectos genéticos ou as influências do ambiente. Estudos mais recentes buscam compreender o desenvolvimento de maneira que tanto os fatores biológicos quanto os ambientais sejam parte constituinte do processo (Rutter, 2002). Modelos de processos evolutivos estão sendo amplificados para a compreensão de outros fatores além da genética, tais como a epigenética e a heredirariedade cultural (Jablonka & Lamb, 2005)
A interação entre os fatores biológicos e ambientais é também a responsável pelas diferenças individuais entre organismos. Geary (2006) defende que essa interação ocorre sobre o fenótipo, onde a variação se expõe ao ambiente e se esse fenótipo tiver um correlato genético, a seleção pode ocorrer e será transmitida. Portanto, o estudo do desenvolvimento envolveria a identificação de padrões típicos para uma espécie na mudança fenotípica, de suas fontes de variação genética e do ambiente e também análise comparadas com outras espécies.
Até a próxima!
Rubilene Borges
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Referências
Archer, J. (1992). Ethology and human development. Hemel Hempstead: Harvester Wheatshead.
Burton, F. D. (1977). Ethology and the development of sex and gender identity in non-human primates. Acta Biotheoretica, 26, 1-18.
Cole, M., & Cole, S. (2004). O desenvolvimento da criança e do adolescente. Porto Alegre: Artmed.
Geary, D. C. (2006). Evolutionary developmental psychology: current status and future directions. Developmental Review, 26, 113-119.
Jablonka, E., & Lamb, M. J. (2005). Evolution in four dimension: generic, epigeneric, behavioral, and symbolic variation in the history of life. Cambridge: MIT Press.
Pontes, F. A. R., & Izar, P. (2005). O estudo das relações sociais sob a perspectiva etológica. Em Fernando Pontes, Celina Magalhães, Regina Brito, & William Lee (Orgs.). Temas Pertinentes para a Construção de uma Psicologia Contemporânea (pp. 65-96). Belém: EDUFPA.
Rutter, M. (2002). Nature, nurture, and development: from evangelism through science toward policy and practice. Child Development, 73, 1-21.
Tinbergen, N. (1963). On aims and methods of ethology. Zeitschrift für Tierpsychologie, 20, 410-433.