Uma baboseira óbvia

“Óbvio” vem do latim obviu, definido pelo dicionário online da língua portuguesa Priberam como: que ocorre; que está adiante; patente; evidente, intuitivo; fácil de compreender. A obviedade vem sido tratada como se fosse um conceito claro e inerente ao substantivo, o qual é adjetivado pelo termo “óbvio”. Cotidianamente, é comum as pessoas dizerem que algo é óbvio: “é óbvio que eu nunca diria isso”, “você não acha óbvio que ele faria isso?”, “obviamente, você não estudou para a prova”.

Dizer que é óbvio que um cachorro bravo iria mordê-lo por você colocar a mão através da grade da casa do cachorro, torna o evento inerente ao cão e não à pessoa que pôs a mão pela grade. Contudo, por que é “óbvio” para um adulto que isso pode acontecer, mas o mesmo evento não é “óbvio” para uma criança pequena? Se a obviedade existe na coisa, por si só, ela deveria ser óbvia a todos, pois o sujeito em nada afetaria a propriedade de obviedade inerente à coisa.

Entretanto, o nível de obviedade parece ser variável de pessoa a pessoa. Sendo assim, não há obviedade inerente ao evento no mundo por si só. O que leva um adulto a dizer que é óbvia a mordedura do cão? Como saber que se pode ser mordido ao atravessar a mão pela grade? O sujeito pode ter aprendido isso em algum momento de sua vida por algum processo de aprendizagem direta ou indireta. Ele pode ter-se exposto diretamente a uma contingência aversiva, um dia ele atravessou a mão pela grade de uma casa que possuía um cão feroz e ele o mordeu. Ou então ele viu alguém fazê-lo e receber a mordedura, ou ainda, sua mãe dizia-lhe sempre que cães são perigosos, que eles mordem a mão de quem a atravessa pela grade da casa.

Provavelmente esse adulto observou (respostas verbais e/ou não verbais) que outras pessoas também evitam emitir a mesma resposta de risco. Toda uma sociedade, em geral, emite essa mesma resposta. O repertório parece ser básico e comum a todos. Daí a obviedade: todos daquela comunidade possuem repertório semelhante diante dessa situação específica, é algo que “qualquer um deve saber”, é óbvio!

A obviedade enquanto resposta verbal está sujeita aos níveis de seleção do comportamento: filogenético, ontogenético e cultural. O repertório verbal que tateia situações como sendo óbvias é aprendido em um convívio social, no qual há uma comunidade que partilha exposições topográfica e/ou funcionalmente comuns a contingências específicas.

O óbvio, por definição, exige que os membros da comunidade verbal tenham tido algum contato prévio com a contingência do óbvio. Se a comunidade não teve esse contato, com uma contingência qualquer, a qual um indivíduo se expôs, os demais membros da comunidade não podem dizer que é óbvio algo que eles desconhecem. A obviedade dos eventos no mundo, portanto, é intersubjetiva; é uma prática cultural; mais ainda, é uma resposta verbal de uma comunidade, que tateia consensualmente os eventos no mundo, sejam eles verbais ou não-verbais.

Essa é uma proposta de definição da obviedade que difere da definição usada pelo senso comum, a qual considera os eventos do mundo como tendo a propriedade de óbvio, e como sendo uma capacidade intelectual dos sujeitos reconhecer a obviedade inerente aos eventos. A obviedade não pode ser nem objetiva, no sentido de ser inerente ao objeto e nem subjetiva, como inerente à habilidade do sujeito de responder verbalmente ao óbvio.

Entretanto, a depender do recorte do que trata a obviedade, um evento pode ser óbvio a um único indivíduo, desde que ele responda a eventos a partir de sua própria ontogenia. Algo pode ser óbvio para um sujeito e não ser para nenhum outro. Mas o sujeito que considera algo óbvio a partir de sua própria história ontogenética não pode esperar que qualquer outro sujeito responda ao evento da mesma forma.

A obviedade subjetiva pode ser o tipo de resposta verbal subjetiva que se costuma atribuir os rótulos de “genialidade”, “esperteza”, “astúcia”, “perspicácia”, como atributos do sujeito, de suas habilidades cognitivas. Essa obviedade não é uma característica do sujeito, ela é um repertório aprendido por exposições diretas ou indiretas a contingências. A aprendizagem, entendida como processo constante de modificação do comportamento, ocorre de modo gradativo com ordem crescente de complexidade. Desse modo, as ditas habilidades cognitivas são repertórios modelados por contingências e ontogeneticamente característicos do sujeito.

Todos os repertórios ditos cognitivos que o sujeito classifica como óbvios e os demais sujeitos não podem emitir a mesma respostar de tatear o óbvio, não se deve ao fato de que o sujeito é mais genial que qualquer outra pessoa, ele apenas está falando sobre algo que somente ele teve acesso, ontogeneticamente.

Tanto a obviedade cultural quanto a obviedade subjetiva são respostas verbais modeladas ontogeneticamente. Algo só pode ser óbvio a um sujeito se ele se expôs às contingências necessárias em um processo de seleção cultural ou de seleção ontogenética. Uma mesma comunidade pode divergir frequentemente sobre a obviedade de diversos eventos, pois não necessariamente os mesmos eventos serão óbvios a todos os membros de uma comunidade.

A obviedade também não é imutável. Assim como algo passa a ser dito óbvio por um sujeito ou por uma comunidade, pode, a depender das mudanças contingentes, deixar de ser óbvio. A mordedura de um cão pode ser óbvia em um momento, todavia, em um local específico, depois de quinze anos sem registros de ocorrência de mordeduras caninas, a mordedura pode deixar de ser óbvia por parecer algo pouco provável de acontecer. Sendo assim, a obviedade é uma resposta verbal que não é inerente a um evento ou a uma capacidade pessoal dos sujeitos, isoladamente ou em comunidade, mas sim à ontogenia dos sujeitos.

Espero que essa postagem tenha sido bastante óbvia para você!

Saudações behavioristas!
Rubilene Borges